Consideramos que a história é uma ciência social e portanto evolui a luz de documentos e principalmente a partir de novas releituras e interpretações dos referidos documentos, do contexto e do pensamento de cada época. Portanto a história pode a qualquer momento ser reinterpretada, ser revisada, ser rescrita, reavaliada por professores, historiadores, intelectuais ou qualquer cidadão cujo pensamento é livre, e a expressão assegurada pelo direito democrático.
Pensamos não ser assunto para ser dirimido em tribunais o registro de um personagem histórico, nascido há 260 anos. Não só porque a documentação eclesiástica não seja determinante para dirimir uma duvida histórica, como porque Joaquim José da Silva Xavier, O Tiradentes, patrono Cívico da nação brasileira esteja acima de uma polêmica de tão pouca importância diante da grandeza, do esplendor, do quilate de um bravo pregador e propagandista das idéias libertárias, contra a opressão do governo colonial português.
Acreditamos que nenhum registro tardio (260 anos) poderá mudar o curso da história ou apagar a dúvida que paira sobre a interpretação documental, ou mesmo atenuar o fogo das vaidades intelectuais numa polêmica estéril.
Mas cumpri-nos discordar da argumentação apresentada pelos ilustres colegas do Instituto Histórico e Geográfico de São João Del Rei no que tange ao território onde se localizava a fazenda ou sítio do Pombal, pertencentes ao casal Domingos da Silva dos Santos e Antônia da Encarnação Xavier, pais de José da Silva Xavier; na paragem chamada São Sebastião do Rio Abaixo, onde havia uma Capela dedicada a este santo, demolida por volta de 1832, onde Joaquim José fora batizado. Todo o território da vasta Comarca do Rio das Mortes certamente pertenceu ao Termo, como se denominava o município no período colonial, a Vila de São João del Rei quando ela foi criada a 8 de dezembro de 1713 até o dia 19 de Janeiro de 1718, quando foi criada a Vila de São José, no Arraial Velho pelo Governador de São Paulo e Minas o Conde de Assumar, D. Pedro de Almeida. Quando se criou a Vila de São José foi desmembrado de São João del Rei todo o território localizado a margem direita do Rio das Mortes, estendendo depois o termo até Congonhas do campo, Borda do Campo (atual Barbacena), Oliveira Pium-i, São Bento do Tamanduá (hoje Itapecerica) até atingir a divisa da Capitania de Goiás. Ainda no dia 28 de janeiro do referido ano de 1718 foi definido o limite entre as vilas de São João e São José, conforme atesta o Auto de Repartição abaixo transcrito do livro primeiro de Acórdãos e Criação da Vila de São José:
“TERMO DA REPARTIÇAM DESTA DESTRITO DA VILLA.”
“Aos tres dias do mes de Fevereiro deste prezente anno de mil setesentos e dezoito annos nesta villa de Sam Joseph nas casas da camara della estando prezente o ouvidor geral desta Comarqua com os officiais da camara della o juiz ordinario o Capitam Manoel Dias Araujo, o capitam Mor Manoel Carvalho Botelho também juiz, os veriadores o capitam Domingos Ramalho de Brito,Manoel da Costa Souza, Constantino Alves de Azevedo e por empedimento do procurador asestiu o Sargento Mor Silvestre Marques da Cunha que para isso pellos ditos officiais da camara foi chamado, e sendo ahy pellos ditos officiais da camara foi dito e Requerido ao dito ouvidor geral que em virtode do despacho da petiçam ao Senhor General lhe nomeace o termo que devia ter esta [villa ] a que visto pello dito ouvidor lhe nomeia por [ termo ] de diviza o Rio das mortes da Banda de ca entrando pello Ribeiram chamado Alves por ser a verdadeira madre do dito Rio das mortes e que os mais eram braços [ do tal ] Rio e que outro sim eram os moradores desta freguezia e estarem em posse...[ desde a primeira criaçam sogeitos a freguezia de Santo Antonio a ] chamavam Arrayal Velho e que asim os moradores da banda do dito rio para ca sejam sogeitos a esta villa, e nesta forma ouve o termo della por divizado e de como os ditos officiais asim o aseitaram e o dito ouvidor assim lho repartio fiz este termo a que asignaram, eu Luiz de Vasconvellos Pessoa Escrivam da Ouvidoria Geral e correicam que o escrevi."
Antº Olivª Leitão
Manoel Dias de Araújo
Mel Carvª Botelho
Manoel da Costa Souza
Constantino Alz de Azvº
Silvestre Marques da Cunha
Domingos Ramalho de Brito
( Livro primeiro de Acórdãos e Criação da Vila de São José,1718 – 1722 – fls 1, 1vo ,, 2, 2vo. – Arquivo do Instituto Histórico e Geográfico de Tiradentes.)
O Rio das Mortes passa portanto a ser o único limite entre as duas vilas, o que irá colocar definitivamente a paragem de São Sebastião do Rio Abaixo e a fazenda do Pombal no termo da Vila de São José.
È verdade que o Senado do câmara de São João del Rei tentou de todas as maneiras não só reduzir o termo de São José, mas representou a coroa contra a criação da própria vila, mas o rei D. João V manteve o ato do Capitão General Conde de Assumar.
Na tentativa de diminuir o termo da Vila de São José o ouvidor da comarca Valério da Costa Gouveia quis delimitar o território da vila a Sesmaria de meia légua em circunferência, fazendo peão no centro da vila, em 28 de março de 1718. O curioso é que ficava-lhe pertencendo os arraiais de Itaverava e Catas Altas da Noruega, hoje cidades do mesmo nome localizadas no vale do Rio Piranga. Como haveria distritos tão longes, sem continuidade de território?
Há ai uma confusão, pois a medição de 28 de março de 1718, refere-se apenas a Sesmaria concedida ao senado da câmara da Vila de São José para nela ter seus rendimentos, construir casas, aforando os terrenos como até a atualidade se faz e não definindo o território do município. Eis o teor da carta de Sesmaria
“ Dom Pº de Almeida etc. faço saber aos q esta minha carta de Sesmra virem q havendo Rerpdo ao q me representou a Camra da Vª de S. Joseph do Rio das Mortes sobre necessitar de terras pª seos logradouros e utilide da camra , e haver ordenado S. Mag. der a cada Va destas Minas meya Legoa de terras em quadra pª nellas ter Rendm.to , com q suprirão as despezas publicas, e desejando mostrar, a dª camara a boa vontade com q atendo aos seos requerimentos , hey por bem fazer lhe m.ce em nome do dº Sr. de lhe conceder Sesmaria meya Legoa de terras sem prejuizo de tercros nehm haja moradores q prezte estejão cultivando as dª terras, a os quais Rezevarão os seos sitios com todas as vertentes q direitamto lhes pertecerem fora as quais se não poderão alargar sem licência da Camara . e todas as pessoas q na dª meya Legoa de terras fizerem casas serão obrigadas a pagar-lhe o foro e asim mesmo todas as q fizerem Rossas depois desta concessão pª que sejão suaves aos povos, os quais poderão tirar Lenhas das dªs terras pª o gasto de suas cazas, e no cazo q esta concessão possa servir de algum prejuízo a camara da Vª de S. João del Rey, podera a de S. Joseph inteirar q de cima como pª a de baixo. Pella q mando a todas (sic) as justiças desta capnia a q o conhecimento desta pertencer dem pose das terras referidas a dª camra na forma do estillo e fação cumprir, e guardar esta minha carta de sesmaria tão inteiramente como nella se conthem q por firmeza de tudo lhe mandei passar por mim assignada e sellada com o signete de minhas armas,a qual se registra nos livros da Sectrª deste governo e nos mais a q tocar. Dada em a Real Vª de Nossa Sra do Carmo aos sete dias do mez de marco de 1718 // Dom Pº de Almeida”
(códice S.C. Nº 12 1717-1721, p. 6v – APM)
Duas citadas feitas por Herculano Veloso (1) confirmaram a divisa o Rio das mortes. Uma assinada por Constantino Alves de Azevedo, em 15 de fevereiro de 1753, vereador que foi da primeira vereança:
“... dividindo huma Villa da outra pello Rio a que hoje Chamão do Elvas dizendo os vereadores e juizes que aquele era o verdadeiro Rio das mortes....”
A seguinte atestação diz:
“... que vindo, em setembro ou outubro de 1719, o Exmo Dom Pedro de Almeida Conde de Assumar hoje Marquez de Alorna governador e capitam general destas Minas e Sam Paulo a esta villa e querendo decidir das divisas .... sobre a demarcação do termo ....determinou o dito Exmo Senhor a demarcaçam do termo de esta villa fosse por onde chamão o Rio das mortes..... e que dalhy para bayxo ficando sendo diviza do termo o mesmo rio...”(2)
A Câmara da Vila de São José continuou a manter a posse de seu território a margem direita do Rio das mortes, sempre obedecendo este limite natural, como atesta os seguintes documentos:
· Nomeação de Domingos Xavier Fernandes, avô materno de Joaquim José da Silva Xavier para o cargo de provedor dos quintos do ouro do Arraial do Bichinho, em 1 de fevereiro de 1723.
· Nomeação para o posto de Capitão do distrito de Itaverava a João Teixeira de Carvalho, em 16 de junho de 1723.
· Nomeação de Caetano Pinto do Rego para capitão do distrito da caza Branca até a Borda do campo ( Barbacena), termo da Vila de São José.
· Nomeação de Manoel Gonçalves Viana para capitão-mor do distrito de carijós, etc. Termo da Vila de São José, em 19 de setembro de 1725.
· Nomeação de João Alves Preto para Sargento-mor de Lagoa Dourada, em 18 de outubro de 1726.2
Quanto a região chamada Rio Abaixo ( São Sebastião e Santa Rita) onde se localizava a fazenda do Pombal há documentos da Câmara de São José que confirmam fazer parte do termo da Vila de São José, como o que se segue datado de 8 de Janeiro de 1747, portanto cerca de 3 meses após o nascimento de Joaquim José:
“Fazemos saber aos moradores desta villa e seo termo que tem obrigação de tirar licença o fação os desta villa, corrego bichinho, Sam sebastião, Lagoa Dourada e Lage no mez de janeiro...” (3)
No ano de 1746, quando nasceu o Tiradentes, foram nomeados para o cargo de Almotacel, para os meses de julho e Agosto os cidadãos Bernardo Alves de Meya e Domingos da Silva dos Santos “ moradores no termo da Villa O último como se sabe era o dono da fazenda do Pombal e pai do Tiradentes:
“Ao primeyro dia do mês de julho de 1746 annos nesta villa de S. José Minas comarca do Rio das mortes em cazas de morada do Juiz ordinário que de prezente serve nesta mesma villa o Capitam Antonio Marques de Moraes aonde eu Escrivam adiante nomeado Juiz vindo e sendo ahi aparecerão prezentes Bernardo Alves de Meyva e Domingos da Silva dos santos pessoas eleitas pello senado da camara desta villa para servirem de Almotacés.....” (4)
No mesmo ano ainda foi eleito Almotacél Pedro Rois Arvelhos “morador no Ryo Abayxo, termo da villa" (5)
Em 1754 Domingos da Silva dos Santos foi eleito vereador para o biênio de 1755/1756, na abertura do pelouro a 2 de dezembro de 1754. (6)
É de se notar também que Domingos da Silva dos Santos casou-se em 1738, na matriz de Santo Antônio da Vila de São José, com Antônia da Encarnação Xavier, nascida e batizada na Vila de São José, filha de um dos primeiros moradores do Arraial velho Domingos Xavier Fernandes. Conforme certidão abaixo:
“Joseph Barboza Pereira coadjuntor da freguezia de santo Antonio da Villa de São Joseph da comarca do Rio das mortes – certifico que revendo o Livro de assentos de cazamentos da freguezia da dita villa nelle a folhas oitenta e hum V. e oitenta e duas se acha hu to teor seguinte – Aos trinta dias do mez de junho de mil setecentos e trinta e oito annos na minha igreja matriz desta villa feitas as denunciações canonicas na forma do sagrado Concilio Tridentino não havendo impedimento com procizão do Reverendo vigário da vara desta comarca o Doutor manoel da Rosa Coutinho se cazarão m minha prezença com as palavras do prezente na forma do mesmo sagrado concilio Tridentino os contrahentes Domingos da Silva dos santos , natural da freguezia de Basto, arcebispado de Braga, filho legítimo de Andre da Silva e de Marianna da Motta, e Antônia Encarnaçam xavier, natural desta freguezia, filha legítima de Domingos Xavier Fernades e de maria de Oliveira Colaça – forão testemunhas Joseph Velozo do carmo, bernardo Rodrigues dantas, maria da Conceição Xavier e Ritta de Jesus Xavier, todos desta freguezia, de que fiz este assento. O vigário Doutor Joseph Nogueira Terraz – E não se contina no dito assento tirado do proprio livro a que me reposto e assim juro in verbo Sacerdotes Villa de S. Joseph aos 22 de junho de 1763 – Joseph barbosa Pereira.” (7)
Tanto o avô materno de Joaquim José, Domingos Xavier Fernandes, como o pai Domingos da Silva dos Santos eram irmãos da irmandade do Senhor dos Passos, da Villa de São José e sempre estiveram ligados a vida política e religiosa de São José.
A Capela de São Sebastião
A capela de São Sebastião do Rio Abaixo, localizada próxima a fazenda do Pombal, em local hoje não identificado servia aos moradores da região do Rio Abaixo que estavam longe das suas matrizes (Santo Antônio e Nossa Senhora do Pilar) deveria existir desde os primeiros decênios do setecentos, antes da capela de Santa Rita. Engana-se o escritor Eduardo Canabrava Barreiros ao localizá-lo a margem esquerda do Rio das Mortes, pois ela localizava-se em terrenos do Termo da Villa de São José, portanto na margem direita e recebia pasto espiritual do vigário da freguezia de Nossa Senhora do Pilar da Villa de São João del Rei. Ai começa a confusão pois a divisão administrativa não era a mesma da divisão religiosa, como até hoje ocorre. Vejamos o registro deixado no livro de atas da Câmara de São José, na sessão de 11 de abril de 1832:
“...havendo de tempos antigos huma capella neste termo cita em as margens do Rio das Mortes com a vocação (SIC) de São Sebastião esta se demolio por falta de reditos para a sua sustentação, e os poucos desta pequenina aplicação sempre se tem entregado ao pasto espiritual da Freguezia da Villa de São João e por que o Rio das Mortes he diviza do termo e por se evitarem dúvidas em eleições inda comodo dos povos no melhoramento passando-se para a freguezia desta villa por ficarem izentos das passagens digo, ficando a pequena distância de duas legoas...”
( atas da Câmara de São José. 1829-1832, fls.124 V.125. Arquivo da Câmara de Tiradentes)
Ocorre ser lógico e aceitável ter o menino Joaquim José sido batizado na referida capela de São Sebastião, no termo da villa de São José e freguezia da matriz do Pilar de São João del Rei.
Razões não faltaram para ser lá o batismo: era próximo da fazenda Pombal, onde deu-se o nascimento; estava na mesma margem direita do Rio das Mortes, não tendo que atravessar o recém nascido em canoa, ou ir até a ponte do Porto real a quase duas léguas e ainda pagar o pedágio cobrado lá. Lá na capela, naquela época havia um capelão- João Gonzalvez, e certamente era mais próxima que a de Santa Rita. Lógico também que o assento fosse lançado no livro da paróquia do Pilar de São João del Rei que cuidava do livro pasto espiritual da Capela de São Sebastião
No próprio assento de batismo, lançado no livro de assentos de batizados da paróquia do Pilar, 1742-1749, fls. 151 V.º, livro este pertencente ao acervo da Biblioteca Nacional do Rio de janeiro, vendido que foi àquela instituição por Samuel Soares de Almeida, na primeira metade do século XX, não consta que a capela de São sebastião pertença ao termo da vila de São João del Rei.
Portanto julgamos que o Tiradentes nasceu e foi batizado na paragem do Rio Abaixo, termo da villa de São José e freguezia de São João del Rei.
A capela como se viu do documento acima foi demolida antes de 1832 por falta se rendimentos para mantê-la e é tradição oral que a imagem do padroeiro tenha sido levada para a capela de Santa Rita do Rio Abaixo. Há poucos anos lá foi furtada uma imagem de São Sebastião que poderá ter sido testemunha do batizado do nosso herói Tiradentes.
No livro de registro de inventários da paroquia de Tiradentes consta no ano de 1852 o seguinte:
“Assim mais uma Imagem de São sebastião com quatro palmos de altura, com resplendor de prata com o peso de quarenta e três oitavas" (8)
Inventário referente a Capela de Santa Rita do Rio Abaixo, então filial da matriz de Santo Antônio de Tiradentes.
Dois documentos posteriores ao nascimento do Tiradentes denunciam pertencer a fazenda do Pombal ao Termo de São José. Um deles é o testamento do Sargento-mor João Gonçalvez Chaves, falecido solteiro, em 02 de dezembro de 1759 e sepultado na capela de Nossa Senhora da Penha de França do Arraial da Laje ( hoje Resende Costa). No testamento o Sargento-mor declara que era morador:
“ ...nesta paragem do Rio Abaixo Capella de São Sebastião fillial da matriz de Nossa Senhora do Pillar de Sam Joam del Rei comarca do Rio das Mortes e Termo da Villa de Sam Joseph, onde eu João Gonçalcez Chaves sou morador....”
(livro de óbitos da freguezia de Santo Antônio da Villa de S. José. 1746-1768. Fls. 356-362- Arquivo Paroquial de Tiradentes, hoje confiscado pelo bispo de São João del Rei.)
O outro documento de importância é os autos de inventário procedido por morte de Antônia da Encarnação Xavier, sendo inventariante o seu viuvo Domingos da Silva dos Santos. O processo data de 1756, procedido no cartório da Villa de São José, onde esteve até o final do século XIX, quando foi extraviado e depois doado, em 1904 ao Instituto Histórico e Geográfico de Brasileiro, onde se acha. Nele consta claramente:
“...nesta paragem chamada o Sitio do Pombal no Rio Abaixo, termo da Villa de São José, nas casas de moradia do inventariante cabeça do casal Domingos da Silva dos santos.....”
( Revista trimestral do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo LXVI, parte I – 1º e 2º trimestre, Rio de Janeiro, Imprensa nacional 1904. P. 286)
Ainda no mesmo documento é citado entre os bens de raiz duas casas sitas na Villa de São José, em rua não mencionada, dividindo com o citado sargento –mor João Gonçalvez Chaves e com o Padre Miguel Rebelo Barbosa. Isto vem provar que o casal Domingos/Antônia, não só viviam na fazenda do Pombal, termo de São José del Rei como também tinham casa na Villa para aos domingos e dias santos passarem o dia, como era costume da época, como também para o vereador Domingos da Silva santos ter estadia, em época de sessões do Senado da Câmara.
Há que citar ainda um outro documento datado de 03 de março de 1832, registrado no livro da Câmara de São José em que é citado os curatos para efeito de nomeação da Guarda nacional, que se refere ao Rio abaixo:
“... e a que antigamente pertencia a capella de São Sebastião que agora não existe e pertence a Villa de São João pelo Eclesiástico.”
(Livro de atas da Câmara de São José. 1829-1833, fls. 117/118. Arquivo da Câmara de Tiradentes)
Trinta anos antes há nomeação de Joaquim Pinto Góes e Lara, aparentado do com o Tiradentes, para Capitão da Companhia de Ordenanças da Capela de São sebastião do Rio Abaixo e suas vizinhanças; em 14 de novembro de 1801.
(livro de atas da Câmara, 1799-1803)- Arquivo Municipal de Tiradentes
Em 12 de dezembro de 1757 faleceu Domingos da Silva dos Santos, procedendo o inventário de seus bens no cartório da Vila de São José, ficando o menino Joaquim José órfão de pai e mãe, com pouco mais de dez anos de idade, tendo certamente ficado sob os cuidados do irmão mais velho e das tias.
Uma das tias, Rita de Jesus Xavier, moradora na Vila de São José, vem a ser a mãe do importante botânico e editor Frei José Mariano da Conceição Veloso,, portanto primo de Joaquim José. Mas só quando completa 20 anos é que Joaquim José, provavelmente já tendo aprendido o oficio de tira dentes, com o seu padrinho Sebastião Ferreira Leitão, solicita as autoridades de colônia a sua emancipação para cuidar de sua herança e seus negócios, com consta do requerimento datado de 1767:
“Diz Joaquim José da Silva Xavier, filho legítimo de Domingos da Silva santos, já defunto, e de sua mulher, Antônia da Encarnação Xavier, natural da Villa de São José, comarca do Rio das Mortes, distrito das Minas Gerais, que ele suplicante, se acha com vinte anos completos, como consta da certidão de idade inserta no instrumento junto; e porque estár vivendo tratando de negócios da fazenda e tem capacidade para governar e administrar os seus béns, como justificou perante o juiz dos órfãos daquele distrito, do que se lhe passou o dito instrumento junto, e como quer se digne Vossa Majestade conceder-lhe promissão de suplemento de idade, dispensando –lhe na lei, para com ela poder requerer a entrega a sua legitima, pede a Vossa majestade seja servido conceder-lhe a dita promissão. ERM. Joaquim Alves Muniz"
Pagou na chancelana 880rs, Rio de janeiro 20/07/1761, Castelo Branco.
(Autos de Devassa da Inconfidência Mineira, vol. 9- Câmara dos Deputados, Brasília, 1977 p. 14 e15)
O referido requerimento foi despachado no dia 15 de julho de 1767, em nome do Rei D. José I, concedendo carta de emancipação e “idade legitima”. Mas o que importa para o presente neste documento que o próprio Tiradentes ter-se declarado “natural da Vila de São José”, e este documento foi omitido na inicial apresentada pelo IHG de São João del Rei ao senhor juiz.
É ainda preciso justificar que a maioridade no século XVIII só se dava aos 25 anos, por isso o Tiradentes pediu emancipação aos 20 anos. Agora vejamos o comentário do Souto historiador dos Tarquinio José Barbosa de Oliveira ao pé da página onde se publicou tal documento:
“Tiradentes foi batizado na freguezia de São Sebastião do Rio Abaixo a 12/11/1746; nasceu na Fazenda do Pombal, próxima ao Arraial de Santa Rita do Rio Abaixo, pertencente ao termo da Vila de São josé, por sua vez compreendida na comarca do Rio das Mortes com sede em São João del Rei”.
(Auto de Devassa, cit., p. 15)
Reconhece pois Tarquinio que a fazenda do Pombal pertencia ao termo de São José. Daí para frente não aparece mais declarações de Joaquim José a respeito de seu local de origem ,a não ser no interrogatório datado de 22 de maio de 1789 quando é perguntado sobre sua identidade que respondeu:
“se chamava Joaquim José da Silva Xavier, filho de Domingos da Silva dos Santos, e de sua mulher Antônia da Encarnação Xavier, natural do Pombal termo da Vila de São João del Rey, capitania de Minas Gerais, e que tinha quarenta e hum anos de idade.....”
(Autos de Devassa, Arquivo Nacional, códice n.º 5, volume 5, folha 2)
Poderá o escrivão ter anotado São João del Rei em lugar de São José del Rei ou o próprio Tiradentes ter declarado Pombal, termo da Comarca de São João del rei, pois ele se equivoca sobre sua própria idade, pois pelo assento de batizado teria neste ano de 1789 a idade de 43 anos. Se considerarmos a declaração acima ele teria nascido em 1748, como se acreditou durante muitos anos.
Durante todo o século XIX e inicio do XX, acreditou-se que o Tiradentes havia nascido na Vila de São José, é a cidade de São José que vinham os intelectuais e propagandistas da republica promover sessões cívicas em honra ao herói, na casa do inconfidente Padre Toledo. Mas é o inflamado escritor Antônio da Silva Jardim, que em 1889, em discurso que sugere mudar o nome do rei português (D. José I) para o herói Tiradentes, o que se dará por decreto de José Cezário Alvim, governador provisório de Minas em 6 de dezembro de 1889, com o nº 3. Como disse Ângelo Oswaldo de Araújo Santos ,atual prefeito de Ouro Preto. *
O mestre Silva Jardim, no dia 21 de abril de 1890 profere um memorável discurso em homenagem ao Tiradentes, como programação do “ Clube Tiradentes” fundado por um antigo morador da cidade de São José del Rei, no Salão do Cassino fluminense, em que diz a respeito do herói:
“Não podia dizer, como César, que provinha dos reis, que eram senhores do mundo, nem dos deuses, que eram os senhores dos reis. Nascera de uma modesta família de São José del Rei, em Minas Gerais família parca em glórias e fazendas.”
(Tiradentes, discurso lido por Silva Jardim na Sessão Solene do Club Tiradentes, em homenagem ao patriota Matyr, na noite de 21 de abril de 189, Rio de Janeiro, Ty. De G. Leuznger e Filhos, 1890. P. 21)
A cidade de Tiradentes sempre teve estreita relação com a figura do protomártir da independência brasileira, deste o século XIX.
Em 1892, quando se comemorou o primeiro centenário de morte do herói, foi criada na cidade a Sociedade Comemorativa do Centenário do Tiradentes presidida pelo Comendador Carlos José de Assis, que promoveu grandes solenidade em torno do 21 de abril, com uma sessão magna nos salões da casa do Pe. Toledo, procissão cívica e uma solene missa de requiem pela morte do herói. Foi ainda essa sociedade que promoveu a construção de um monumento ao herói, colocado no centro do Largo das Forras, que passou a se chamar praça da Liberdade. (9)
Em 1894 as ruas da cidade recebeu os nomes do Tiradentes, do Pe. Toledo, do Resende Costa entre outros. Foi o primeiro monumento erigido ao Tiradentes na região do Rio das Mortes e o segundo erigido no estado de Minas gerais, somente posterior a Coluna Saldanha Marinho, em Ouro Preto, substituída em 1894 pelo monumento atual.
No ano de 1992 foi montada nova comissão Comemorativa do Bicentenário da Morte de Tiradentes, tendo promovido missa solene, na matriz de santo Antônio, celebrada pelo presidente da CNBB D. Luciano Mendes de Almeida e concelabrada por D. Serafim Fernandes de Araújo, cardeal de Belo Horizonte e outros seis bispos e quarenta padres da diocese e da província eclesiástica de Juiz de Fora. Assistiu a cerimônia o Vice- presidente da República Itamar Franco e o Vice governador de Minas Arlindo Porto. Houve ainda uma apresentação da esquadrilha da fumaça, chuva de rosas sobre a cidade, salva de 12 tiros pelo exercito brasileiro e sessão Solene da Assembléia Legislativa de Minas Gerais.
Por fim temos a dizer a respeito do livro do Sr. Eduardo Canabrava Barreiros – As Vilas del Rei e cidadania do Alferes, José Olimpo do Rio de Janeiro , 1977 que o próprio autor revela na introdução Ter sido o livro encomendado pela Câmara municipal de São João del Rei, especialmente pela vereadora Alba Lombardi, com o intuito claro de dar razão aos que defendem ter Joaquim José da Silva Xavier, nascido em São João del rei. É curioso o autor ter citado tantos documentos e não Ter se que referido a petição de Joaquim José datada de 1767, quando se declara natural da Villa de São José. Parece omissão proposital.
Finalizando, citamos o artigo do professor de história e publicitário Yves Gomes Ferreira Alves, sócio do IHG de Tiradentes, falecido em 1996:
“que isso ocorra no âmbito do estudo da historia local é perfeitamente compreensível. Ir além expor-se a um jornalismo sensacionalista que pode levar ao ridículo o esforço edificante daqueles que, nas duas cidades, se empenham, atualmente, em construir um programa comemorativo à altura do evento de 21 de abril.
Afinal Tiradentes é tão mineiro nascido em São João quanto em São José. Há muito ele não pertence só a Minas Gerais. Pertence a todos que, neste momento, querem reverenciá-lo realmente.”
(Yves Alves – Pelo Amor de Deus não Esquartejem, O Tiradentes outra vez, jornal do Bicentenário do Martírio de Tiradentes, Tiradentes, MG-21 de abril de 1992)
Pelo exposto fica claro que o Instituto Histórico e geográfico de Tiradentes não concorda com a argumentação apresentada pelo seu congênere de São João Del Rei e continuará a afirmar, baseado no acima escrito que Joaquim José das Silva Xavier, herói maior da nação brasileira, o cavaleiro liberdade, nasceu em solo sagrado da VILLA DE SÃO JOSÉ DEL REI, no estado de Minas Gerais.
1º tesoureira
A- Fontes Primárias
· Arquivo do IHG de Tiradentes
- Livro primeiro de Acórdãos e Criação da Vila de São Joseph. 1718-1722
· Arquivo da paróquia de Santo Antônio de Tiradentes
- Livro de óbitos. 1746-1768
· Arquivo da Câmara Municipal de Tiradentes
- Livro de Atas. 1829-1833
· Arquivo Público Mineiro
- códice S.C n.º 12- 1717-1721
B- Livros
- Veloso, Herculano. Ligeiras memórias sobre a Vila de São José e seu Termo nos tempos coloniais, BH, Imprensa oficial, 1955.
- Barreiros, Eduardo Canabrava. As Vilas del Rei e a cidadania de Tiradentes, Rio de Janeiro, José Olímpio, 1976.
- Autos de Devassa da Inconfidência Mineira, Brasília, Câmara dos Deputados, 1977.
- Jardim, Silva. Tiradentes, discurso lido por... na sessão solene do Club Tiradentes, em homenagem ao patriota mártyr na noite de 21 abril de 1890, Rio de Janeiro, tipografia G. Leuznger e filhos, 1890.
C- Periódicos
- Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo LXVI, parte 1, 1º e 2º trimestre, Rio de Janeiro, imprensa nacional, 1904.
- Jornal do Bicentenário do Martírio de Tiradentes, Tiradentes, MG, 21 de abril de 1992.
- Revista do Arquivo Público Mineiro, ano XXIV, BH, imprensa oficial, 1933.
(Basílio de Magalhães- Estudos Históricos- Controvérsias)
D- Diversos
- Almeida, Samuel Soares. Limites de São João e São José, notas datilografadas, copiadas pelo cônego Trindade, 1950- Arquivo 13ª SR IPHAN/MG.
(1) Veloso, Herculano- Ligeiras memórias sobre a Vila de São José e seu Termo nos tempos coloniais, BH, Imprensa oficial de Minas Gerais, 1955. P.18,19,36,37.
(2) Veloso, Herculano- Ligeiras memórias sobre a Vila de São José e seu Termo nos tempos coloniais, BH, Imprensa oficial de Minas Gerais, 1955. P.18,19,36,37.
(3) Veloso, opcit,P.36
(4) Veloso, opcit ,P. 36
(5) Veloso, opcit,P.37
(6) Veloso, opcit ,P. 37
(7) Veloso, opcit,P.33
(8) Livro de registros das Capelas e tombos de São José del Rei. 1852-1875,fl. 27 – Vº APT
(9) Santos Filho, Olinto Rodrigues dos. São José del Rei: República e Tiradentes, in Jornal do Bicentenário do Martírio de Tiradentes, Tiradentes, 21 de abril de 1992.