quarta-feira, 7 de agosto de 2019

A Caixa d’Água e o Chalé da Baronesa


Estrada da Caixa D'água, antigo leito da Estrada de Ferro, com a Capela de N. Fátima, construída no final do séc. XX
essa e as demais fotografias são de autoria de David Nascimento




Na área rural de Tiradentes há hoje um povoado que tem o nome de Caixa d’Água da esperança e conta hoje com muitas casas, tinha uma escola e nos últimos anos foi construída uma capela de Nossa Senhora de Fátima, com torre e sino.

Atualmente celebra-se a festa da padroeira da capela.

O povoado surgiu da “Fazenda da Esperança” instalada em terras férteis que ia até o Rio das Mortes.
Em 27 de Janeiro de 1896 foi aberto o inventario administrativo do Exmo. Barão de Santa Maria – Nicolau Neto Carneiro Leão, proprietário da referida fazenda, sendo inventariante a Exma. Sra. Baronesa de Santa Maria – D. Rita Roxo Carneiro Leão.


Nicolau Netto Carneiro Leão           Nicolau Netto Carneiro Leão


"O Barão de Santa Maria, Nicolau Netto Carneiro Leão [24757_4], com sua esposa, a Baronesa de Santa Maria, Rita Clara Gonçalves de Oliveira Roxo [24757a_4] com suas duas filhas: Joaquina Clara Carneiro Leão [24784_4] e Rita de Cassia Carneiro Leão [24772_4]. Foto Acervo Helena da Cunha Bueno".


O casal Nicolau e D. Rita tiveram os seguintes filhos:

·         Dr. Nicolau Neto Carneiro Leão;
·         Rita de Cassia Neto Carneiro Leão Ribeiro – que foi casada com o Dr. Honório Augusto Ribeiro;
·         Dr. Francisco Neto Carneiro Leão;
·         José Carneiro Leão e

·     A Baronesa Oliveira Roxo – D. Joaquina Claro Carneiro Leão, casada com o barão Oliveira Roxo – Mathias Gonçalves d’Oliveira Roxo.

O barão e a baronesa deve ter vivido com os filhos no Chalet, sede da fazenda da esperança, certamente construído por eles. No inventário a casa é descrita “um chalet, de construção moderna, sobre alicerces de pedra, forrado e assoalhado” no valor dêz contos de reis. O chalet estava construído em terreno de sessenta alqueires de terras e capoeiras, cultura e pastos e foi avaliado em nove contos der eis. Além do chalé havia ainda “casa de vivenda antiga, com suas dependências, carecendo de reparos”. “Um paiol, uma ceva, um engenho em parte arruinado.


A imagem pode conter: céu, casa e atividades ao ar livre
Fachada do Chalé da Baronesa de Santa Maria pouco antes da demolição no final da
dec. de 1970. Acervo da Família Silva



Fotografias do que sobrou após a demolição do Chalé da Baronesa

      


                      


A casa como esta dito era construção “moderna”, certamente da segunda metade do século XIX e tinha os seguintes moveis:

·         Quatro sofás”;
·         “Trinta e seis cadeiras”;
·         “Uma mesa redonda e três consolos”;
·         “Uma mesa de jantar”
·         “Seis mesas pequenas”
·         “Três guarda-louças”
·         “Um guarda comidas”
·         “Um relógio de parede”
·         “Um guarda-vestidos”
·         “Quatro cômodas”
·         “Duas cantoneiras”
·         “Seis camas de solteiros”
·         “Duas camas de casados”
·         “Quatro mezinhas de cabeceiras”
·         “Uma estante para livros”
·         “Uma secretaria”
·         “Um piano” (certamente de reforma) “e estante para músicas”
·         “Louças de uso, talheres e trem de cosinha”
·         “Um lote de oito castiçais”

Ao que parece todo o mobiliário era “moderno” pois já haviam cômodas e guarda-vestidos e não as arcas coloniais. A pratica de música devia ter sido deixada de lado porque o piano necessitava reforma; a estante de música seria para o cantor?

No momento do inventário (1896) os filhos Nicolau Neto Carneiro Leão e Francisco Neto Carneiro Leão residiam em São Paulo, tendo mandado procuração para o irmão José Carneiro Leão, que devia ter ficado com a mãe viúva. As duas filhas de Rita de Cassia e Joaquina já eram casadas, tendo uma o título de Baronesa.


Fotografias do que sobrou após a demolição do Chalé da Baronesa


       


Nicolau Neto Carneiro Leão nasceu em Minas Gerais, possivelmente em Tiradentes, em 1824. Morreu em Tiradentes no dia 16 de dezembro de 1994. Era filho do importante estadista do império Honório Hermeto Carneiro Leão, Marquês do Paraná e de Maria Henriqueta Neto. Nicolau foi proprietário de terras na região de Barra do Piraí, no estado do Rio, além de militar. Recebeu o título de Barão de Santa Maria em 17 de maio de 1871.

A Baronesa de Santa Maria – Rita de Cassia Gonçalves de Oliveira Roxo, depois carneiro Leão, nasceu em Pirai, no estado do Rio de Janeiro em 20 de maio de 1833 e faleceu no Rio de Janeiro em 20 de agosto de 1912. Era filha de José Gonçalves de Oliveira Roxo, Barão de Vargem Alegre e de Joaquina Clara de Morais, Baroneza de Vargem Alegre.

Como as terras do Barão de Santa Maria eram em Piraí, fico pensando se ele no fim da vida resolveu voltar para a região onde nasceu e construiu seu chalé, onde veio a falecer, enquanto a Baronesa volta para morrer no Rio de Janeiro.

Nicolau Neto Carneiro Leão estudou na escola da Marinha do Rio de Janeiro, após formado foi para a Inglaterra praticar na marinha inglesa, servindo por 10 anos. Participou da Guerra da Crimeia (1856 – 1856) e foi condecorado pela rainha Vitória. Voltou ao Brasil abandonou a carreira de militar para dirigir a “Companhia Brasileira de Paquetes a Vapor” e tornou-se fazendeiro em Piraí, RJ. O título de Barão de Santa Maria tem relação com a sua Fazenda Santa Maria próxima a Estação de Santana E. F.Central do Brasil. Foi ainda proprietário da Fazenda dos Alpes, em Barra Mansa.

Entretanto, seu ideal não era a pesada lavoura de café em província estranha, mas a volta ao seu querido torão natal. TIRADENTES, do qual não podia esquecer-se para acabar seus dias, respirando a busa das terras mineiras.”

E o conseguiu e realizou em pitoresca e amena chácara que adquirira próximo a sua cidade natal, mas infelizmente como só para realizar seu sonho dourado, o desejado regresso a prátria querida, pois que bem curto foi o período desse gozo” (Oswaldo de Gusmão – João Roxo e seus Descendentes. Postado em 07 de Julho de 2010).

Após seu falecimento foi sepultado no cemitério de Nossa Senhora das Mercês em são João del Rei.
Não sabemos se o chalé foi construído antes ou depois da estrada de Ferro Oeste de Minas, mas certamente em data aproximada, uma vez que o barão veio já no fim da vida e no documento de inventário é tratada como “moderna”.

A casa de grandes dimensões para S. José del Rei/Tiradentes, tinha planta em retângulo, com pátio interno ou jardim de inverno em retângulo, calçado de lajotas de cerâmica. A fachada principal sob um alto embasamento de pedra aparente apresentava no centro três janelas rasgadas, de verga reta, com sacadas de ferro entaladas, bandeiras de vidro e folhas de abrir em grandes vidros (3 de cada lado). Nas extremidades haviam duas janelas, sem sacadas com o mesmo tratamento de vidraça.

O telhado, com telhas francesas, em duas águas formava uma empena frontal, contornado por faixa e centrada por janelinha vedada por adufas. Os beirais laterais eram ornados com lambrequins e nos cantos tinha uma espécie de flecha, de influência das estações de trem. Haviam duas entradas laterais, uma de cada lado que se faziam por escadas de pedra e amplo patamar de pedra azul, cujas lajes estão hoje no piso do pátio do chafariz. Uma grade ferro servia de guarda corpo da escada e do patamar. As duas portas laterais davam acesso a dois vestíbulos que antecediam o salão que correspondia as três sacadas, onde certamente estavam os quatro sofás e cadeiras, cantoneiras, mesa e o piano com estante de música.

Para as laterais ficavam os quartos e um corredor envidraçado dava acesso aos quartos e a cozinha, no canto posterior à esquerda e no fundo também ficava ampla sala de jantar. A casa segundo informações de D. Eliza Silveira tinha 14 cômodos.

O porão alto não só dava ventilação ao assoalho estreito de tábuas de pinho de riga, mas dava imponência a casa. Os forros eram de “lambris” em mosaicos decorados. Ultimamente o chalé era pintado de amarelo, com cunhais e faixas brancos o que certamente aproximava da pintura original. Os cômodos tinham as paredes revestidas de papel de parede decorado, em desenhos e cores diferentes para cada cômodo. É interessante notar que o tratamento dos cunhais do embasamento de pedra, no tipo almofada é muito semelhante ao tratamento dado as cantarias das estações férreas dessa época.

Na parte da frente da casa havia um amplo jardim, com altas guapuruvus, arecas e margaridas. Por trás, quintal de arvores frutíferas. Após a morte do Barão de Santa Maria, em 1894, e o inventário de 1986, é possível que a Baronesa Rosa tenha ido definitivamente para o Rio de Janeiro, mas o imóvel continuou com os herdeiros, passando depois para o Senhor José Thobias, cujos herdeiros o venderam na década de 1980 a Davi Silveira (Lilito). Foi nessa época, por volta de 1981 que o Lilito Silveira vendeu a construção para a demolição e utilização do material em um condomínio em Nova Lima. Os Compradores foram Carlos Eduardo e Carlos Fernando de Castro Oliveira, que depois mudaram-se para Tiradentes abrindo o restaurante Teatro da Vila, onde havia um fragmento da decoração do beiral do chalé. Foi intermediário na venda do material de demolição o Francisco Araújo Lourenço, o Chiquinho do Bar.

Como parte dos alicerces, as escadas e patamares ficaram no locam, foram comprados os dois patamares de pedra azul, em 1982, para compor o calçamento do pátio do chafariz de São José, quando foi feito o agenciamento do largo através do projeto de Roberto Burle Marx. O cimentado feito em 1915 foi retirado aparecendo o pé-de-moleque que foi substituído por lajes de sobras retirados de ruínas da cidade.

As ruínas que sobreviveram no local consta de quatro alicerces de pedra das paredes mestras; do embasamento alto de pedra, com os cantos aparelhados da fachada principal; de duas hoje rampas paralelas as fundações laterais onde haviam as duas escadas e os dois patamares, cujas pedras aparelhadas foram retiradas. Os pilares de pedras que sustentavam o barroteamento do assoalho alteado; vestígios da escada que descia para o pátio interno e restos de lajotas de cerâmica de 30x30cm que revestiam o piso do jardim de inverno.





A Estrada de Ferro Oeste de Minas foi construída entre 1880 e 1881, sendo inaugurada pelo imperador D. Pedro II, em 28 de agosto daquele ano, e data certamente dessa época a instalação de uma caixa d’água de ferro apoiada sobre oito pilares de trilhos de ferro que seria para abastecer a locomotiva de água dois dos telhados tem a data de 1895. A caixa d’água ficava entre a Estação de Prados e a de Tiradentes e junto a ela, foi construído em “pé de estubo” ou pequena plataforma de pedras e cimento onde os viajantes embarcavam no trem. Por trás da plataforma existia um cômodo em retângulo que era usado como armazém para guardar as mercadorias chegadas e embarcadas no trem. Com o passar do tempo a Fazenda da Esperança perdeu sua importância até a casa ser demolida e o local passar a ser conhecido como “Caixa d’Água da Esperança” no que até hoje. A parada do trem era exatamente em frente a Fazenda da Esperança, o que deve ter sido desejo do Barão de Santa Maria.



Aliás o casal de barões além do mobiliário já descrito existente na casa tinha ainda no terreno dois cavalos, uma besta, dois burros, nove porcos, 28 garrotes e bezerros, trinta e cinco vacas, um touro e seis bois de carros com os nomes de “Marmelo, Florão, Mariocano, Morro Grande, Laranjo e Figurão”; quarenta carneiros. As vacas tinham nomes curioso como: Mimosa, Facena, Caracu ou Letrada. Ainda tinham dois carros de bois, uma carroça de bois e duas carroças de burros.


 


A imagem pode conter: céu, nuvem, trem e atividades ao ar livre
Fotografia de 1976 encontrada na página pessoal de Renan Marinho Oliveira


No povoado da Caixa d’Água existe ainda a casa de fazenda de David Silveira, construída em estilo eclético, com planta em L, cobertura em telha francesa com beirais decorados com lambrequins. A fachada principal apresenta frontão ou empena triangular com dois óculos em losango e medalhão circular com as iniciais DS (David Silveira). Os vãos da fachada são distribuídos regularmente com porta central e duas janelas de cada lado, com caixilharia de guilhotina e apresentando sobrevergas de massa. Há ou havia, em 2001, uma mesa de jantar em madeira escura com seis pés torneados e canelados, sobre rodízios de meta, saia e aba reta, tampo liso, com bordas molduradas e cantos arredondados. A mesa tem dispositivo para aumenta, e é conhecida como mesa elástica, datável do século XIX, medindo 23cm de altura x 127cm de largura e 242cm de comprimento. Segundo as informações dos proprietários a mesa pertenceu ao chalé do Barão de Santa Maria e foi adquirida por D. Derlinda Augusta Silveira do Sr. José Tobias, proprietário da casa após os barões. Seria a mesa de jantar descrita no inventario de 1896 “uma mesa de jantar avaliada em cinquenta mil reis”.






                       


E mister lembrar que segundo informações orais no chalé também funcionava uma escola rural ministrada por D. Rosa do Seu Zequita que ainda usa lousa para as crianças escreverem, segundo D. Elza Silveira que foi aluna dessa escola.

É interessante lembrar que existia no povoado da Caixa d’Água do Alambique de Juca do Lino (José Pedro do Nascimento) que produz aguardente comercializado na região. Houve ainda o alambique de Neca Paixão cuja pinga era considerada de excelente quantidade.



Casa do Lino Franco



A casa que do Lino Franco do Nascimento, construída no início do século XX, é belo exemplar que ainda se mantém integro, com pinturas de forma ou máscara essa barra junto aos forros e no lugar do chuveiro, imitando azulejos azuis e brancos.




Casa do Lino Franco

D. Elza, filha Lino Franco, na casa onde nasceu 




Havia, segundo informações uma casa mais antiga que foi de Lino Franco do Nascimento (1897-1971), que atualmente sobrou pequena parte de adobe. Na frente ainda existe um embasamento que contém um “terreno” onde eram secados os cereais (arroz, feijão, etc) e foi nesta casa que existiu uma “Ermida” onde foi o casamento de uma das filhas da família.







A Caixa d’Água ainda pode ser admirada pela vida rural com criação de porcos, galinhas, cachaças e a produção de “quitandas”, como biscoitos de nata, quebra-quebra e doces típicos em compota que são comercializados, além de excelente mel. Várias casas fazem parte da “Rota do Sabor”, criada pelo prefeito.



Junto a antiga fazenda de David Silveira ainda se pode ver os típicos paióis elevados e um moinho de fubá, movido a água, hoje ficando cada vez mais raros.




segunda-feira, 15 de julho de 2019

A Vila de São José e a cidadania do Tiradentes


Consideramos que a história é uma ciência social e portanto evolui a luz de documentos e principalmente a partir de novas releituras e interpretações dos referidos documentos, do contexto e do pensamento de cada época. Portanto a história pode a qualquer momento ser reinterpretada, ser revisada, ser rescrita, reavaliada por professores, historiadores, intelectuais ou qualquer cidadão cujo pensamento é livre, e a expressão assegurada pelo direito democrático.

Pensamos não ser assunto para ser dirimido em tribunais o registro de um personagem histórico, nascido há 260 anos. Não só porque a documentação eclesiástica não seja determinante para dirimir uma duvida histórica, como porque Joaquim José da Silva Xavier, O Tiradentes, patrono Cívico da nação brasileira esteja acima de uma polêmica de tão pouca importância diante da grandeza, do esplendor, do quilate de um bravo pregador e propagandista das idéias libertárias, contra a opressão do governo colonial português.

Acreditamos que nenhum registro tardio (260 anos) poderá mudar o curso da história ou apagar a dúvida que paira sobre a interpretação documental, ou mesmo atenuar o fogo das vaidades intelectuais numa polêmica estéril.

Mas cumpri-nos discordar da argumentação apresentada pelos ilustres colegas do Instituto Histórico e Geográfico de São João Del Rei no que tange ao território onde se localizava a fazenda ou sítio do Pombal, pertencentes ao casal Domingos da Silva dos Santos e Antônia da Encarnação Xavier, pais de José da Silva Xavier; na paragem chamada São Sebastião do Rio Abaixo, onde havia uma Capela dedicada a este santo, demolida por volta de 1832, onde Joaquim José fora batizado. Todo o território da vasta Comarca do Rio das Mortes certamente pertenceu ao Termo, como se denominava o município no período colonial, a Vila de São João del Rei quando ela foi criada a 8 de dezembro de 1713 até o dia 19 de Janeiro de 1718, quando foi criada a Vila de São José, no Arraial Velho pelo Governador de São Paulo e Minas o Conde de Assumar, D. Pedro de Almeida. Quando se criou a Vila de São José foi desmembrado de São João del Rei todo o território localizado a margem direita do Rio das Mortes, estendendo depois o termo até Congonhas do campo, Borda do Campo (atual Barbacena), Oliveira Pium-i, São Bento do Tamanduá (hoje Itapecerica) até atingir a divisa da Capitania de Goiás. Ainda no dia 28 de janeiro do referido ano de 1718 foi definido o limite entre as vilas de São João e São José, conforme atesta o Auto de Repartição abaixo transcrito do livro primeiro de Acórdãos e Criação da Vila de São José:

“TERMO DA REPARTIÇAM DESTA DESTRITO DA VILLA.”

“Aos tres dias do mes de Fevereiro deste prezente anno de mil setesentos e dezoito annos nesta villa de Sam Joseph nas casas da camara della estando prezente o ouvidor geral desta Comarqua com os officiais da camara della o juiz ordinario o Capitam Manoel Dias Araujo, o capitam Mor Manoel Carvalho Botelho também juiz, os veriadores o capitam Domingos Ramalho de Brito,Manoel da Costa Souza, Constantino Alves de Azevedo e por empedimento do procurador asestiu o Sargento Mor Silvestre Marques da Cunha que para isso pellos ditos officiais da camara foi chamado, e sendo ahy pellos ditos officiais da camara foi dito e Requerido ao dito ouvidor geral que em virtode do despacho da petiçam ao Senhor General lhe nomeace o termo que devia ter esta [villa ] a que visto pello dito ouvidor lhe nomeia por [ termo ] de diviza o Rio das mortes da Banda de ca entrando pello Ribeiram chamado Alves por ser a verdadeira madre do dito Rio das mortes e que os mais eram braços [ do tal ] Rio e que outro sim eram os moradores desta freguezia e estarem em posse...[ desde a primeira criaçam sogeitos a freguezia de Santo Antonio a ] chamavam Arrayal Velho e que asim os moradores da banda do dito rio para ca sejam sogeitos a esta villa, e nesta forma ouve o termo della por divizado e de como os ditos officiais asim o aseitaram e o dito ouvidor assim lho repartio fiz este termo a que asignaram, eu Luiz de Vasconvellos Pessoa Escrivam da Ouvidoria Geral e correicam que o escrevi."
Antº Olivª Leitão
Manoel Dias de Araújo
Mel Carvª Botelho
Manoel da Costa Souza
Constantino Alz de Azvº
Silvestre Marques da Cunha
Domingos Ramalho de Brito

( Livro primeiro de Acórdãos e Criação da Vila de São José,1718 – 1722 – fls 1, 1vo ,, 2, 2vo. – Arquivo do Instituto Histórico e Geográfico de Tiradentes.)

O Rio das Mortes passa portanto a ser o único limite entre as duas vilas, o que irá colocar definitivamente a paragem de São Sebastião do Rio Abaixo e a fazenda do Pombal no termo da Vila de São José.

È verdade que o Senado do câmara de São João del Rei tentou de todas as maneiras não só reduzir o termo de São José, mas representou a coroa contra a criação da própria vila, mas o rei D. João V manteve o ato do Capitão General Conde de Assumar.

Na tentativa de diminuir o termo da Vila de São José o ouvidor da comarca Valério da Costa Gouveia quis delimitar o território da vila a Sesmaria de meia légua em circunferência, fazendo peão no centro da vila, em 28 de março de 1718. O curioso é que ficava-lhe pertencendo os arraiais de Itaverava e Catas Altas da Noruega, hoje cidades do mesmo nome localizadas no vale do Rio Piranga. Como haveria distritos tão longes, sem continuidade de território?

Há ai uma confusão, pois a medição de 28 de março de 1718, refere-se apenas a Sesmaria concedida ao senado da câmara da Vila de São José para nela ter seus rendimentos, construir casas, aforando os terrenos como até a atualidade se faz e não definindo o território do município. Eis o teor da carta de Sesmaria

“ Dom Pº de Almeida etc. faço saber aos q esta minha carta de Sesmra virem q havendo Rerpdo ao q me representou a Camra da Vª de S. Joseph do Rio das Mortes sobre necessitar de terras pª seos logradouros e utilide da camra , e haver ordenado S. Mag. der a cada Va destas Minas meya Legoa de terras em quadra pª nellas ter Rendm.to , com q suprirão as despezas publicas, e desejando mostrar, a dª camara a boa vontade com q atendo aos seos requerimentos , hey por bem fazer lhe m.ce em nome do dº Sr. de lhe conceder Sesmaria meya Legoa de terras sem prejuizo de tercros nehm haja moradores q prezte estejão cultivando as dª terras, a os quais Rezevarão os seos sitios com todas as vertentes q direitamto lhes pertecerem fora as quais se não poderão alargar sem licência da Camara . e todas as pessoas q na dª meya Legoa de terras fizerem casas serão obrigadas a pagar-lhe o foro e asim mesmo todas as q fizerem Rossas depois desta concessão pª que sejão suaves aos povos, os quais poderão tirar Lenhas das dªs terras pª o gasto de suas cazas, e no cazo q esta concessão possa servir de algum prejuízo a camara da Vª de S. João del Rey, podera a de S. Joseph inteirar q de cima como pª a de baixo. Pella q mando a todas (sic) as justiças desta capnia a q o conhecimento desta pertencer dem pose das terras referidas a dª camra na forma do estillo e fação cumprir, e guardar esta minha carta de sesmaria tão inteiramente como nella se conthem q por firmeza de tudo lhe mandei passar por mim assignada e sellada com o signete de minhas armas,a qual se registra nos livros da Sectrª deste governo e nos mais a q tocar. Dada em a Real Vª de Nossa Sra do Carmo aos sete dias do mez de marco de 1718 // Dom Pº de Almeida”
(códice S.C. Nº 12 1717-1721, p. 6v – APM)

Duas citadas feitas por Herculano Veloso (1) confirmaram a divisa o Rio das mortes. Uma assinada por Constantino Alves de Azevedo, em 15 de fevereiro de 1753, vereador que foi da primeira vereança:


“... dividindo huma Villa da outra pello Rio a que hoje Chamão do Elvas dizendo os vereadores e juizes que aquele era o verdadeiro Rio das mortes....”

A seguinte atestação diz:

“... que vindo, em setembro ou outubro de 1719, o Exmo Dom Pedro de Almeida Conde de Assumar hoje Marquez de Alorna governador e capitam general destas Minas e Sam Paulo a esta villa e querendo decidir das divisas .... sobre a demarcação do termo ....determinou o dito Exmo Senhor a demarcaçam do termo de esta villa fosse por onde chamão o Rio das mortes..... e que dalhy para bayxo ficando sendo diviza do termo o mesmo rio...”(2)
A Câmara da Vila de São José continuou a manter a posse de seu território a margem direita do Rio das mortes, sempre obedecendo este limite natural, como atesta os seguintes documentos:
· Nomeação de Domingos Xavier Fernandes, avô materno de Joaquim José da Silva Xavier para o cargo de provedor dos quintos do ouro do Arraial do Bichinho, em 1 de fevereiro de 1723.
· Nomeação para o posto de Capitão do distrito de Itaverava a João Teixeira de Carvalho, em 16 de junho de 1723.
· Nomeação de Caetano Pinto do Rego para capitão do distrito da caza Branca até a Borda do campo ( Barbacena), termo da Vila de São José.
· Nomeação de Manoel Gonçalves Viana para capitão-mor do distrito de carijós, etc. Termo da Vila de São José, em 19 de setembro de 1725.
· Nomeação de João Alves Preto para Sargento-mor de Lagoa Dourada, em 18 de outubro de 1726.2
Quanto a região chamada Rio Abaixo ( São Sebastião e Santa Rita) onde se localizava a fazenda do Pombal há documentos da Câmara de São José que confirmam fazer parte do termo da Vila de São José, como o que se segue datado de 8 de Janeiro de 1747, portanto cerca de 3 meses após o nascimento de Joaquim José:


“Fazemos saber aos moradores desta villa e seo termo que tem obrigação de tirar licença o fação os desta villa, corrego bichinho, Sam sebastião, Lagoa Dourada e Lage no mez de janeiro...” (3)


No ano de 1746, quando nasceu o Tiradentes, foram nomeados para o cargo de Almotacel, para os meses de julho e Agosto os cidadãos Bernardo Alves de Meya e Domingos da Silva dos Santos “ moradores no termo da Villa O último como se sabe era o dono da fazenda do Pombal e pai do Tiradentes:


“Ao primeyro dia do mês de julho de 1746 annos nesta villa de S. José Minas comarca do Rio das mortes em cazas de morada do Juiz ordinário que de prezente serve nesta mesma villa o Capitam Antonio Marques de Moraes aonde eu Escrivam adiante nomeado Juiz vindo e sendo ahi aparecerão prezentes Bernardo Alves de Meyva e Domingos da Silva dos santos pessoas eleitas pello senado da camara desta villa para servirem de Almotacés.....” (4)


No mesmo ano ainda foi eleito Almotacél Pedro Rois Arvelhos “morador no Ryo Abayxo, termo da villa" (5)

Em 1754 Domingos da Silva dos Santos foi eleito vereador para o biênio de 1755/1756, na abertura do pelouro a 2 de dezembro de 1754. (6)

É de se notar também que Domingos da Silva dos Santos casou-se em 1738, na matriz de Santo Antônio da Vila de São José, com Antônia da Encarnação Xavier, nascida e batizada na Vila de São José, filha de um dos primeiros moradores do Arraial velho Domingos Xavier Fernandes. Conforme certidão abaixo:

“Joseph Barboza Pereira coadjuntor da freguezia de santo Antonio da Villa de São Joseph da comarca do Rio das mortes – certifico que revendo o Livro de assentos de cazamentos da freguezia da dita villa nelle a folhas oitenta e hum V. e oitenta e duas se acha hu to teor seguinte – Aos trinta dias do mez de junho de mil setecentos e trinta e oito annos na minha igreja matriz desta villa feitas as denunciações canonicas na forma do sagrado Concilio Tridentino não havendo impedimento com procizão do Reverendo vigário da vara desta comarca o Doutor manoel da Rosa Coutinho se cazarão m minha prezença com as palavras do prezente na forma do mesmo sagrado concilio Tridentino os contrahentes Domingos da Silva dos santos , natural da freguezia de Basto, arcebispado de Braga, filho legítimo de Andre da Silva e de Marianna da Motta, e Antônia Encarnaçam xavier, natural desta freguezia, filha legítima de Domingos Xavier Fernades e de maria de Oliveira Colaça – forão testemunhas Joseph Velozo do carmo, bernardo Rodrigues dantas, maria da Conceição Xavier e Ritta de Jesus Xavier, todos desta freguezia, de que fiz este assento. O vigário Doutor Joseph Nogueira Terraz – E não se contina no dito assento tirado do proprio livro a que me reposto e assim juro in verbo Sacerdotes Villa de S. Joseph aos 22 de junho de 1763 – Joseph barbosa Pereira.” (7)

Tanto o avô materno de Joaquim José, Domingos Xavier Fernandes, como o pai Domingos da Silva dos Santos eram irmãos da irmandade do Senhor dos Passos, da Villa de São José e sempre estiveram ligados a vida política e religiosa de São José.

A Capela de São Sebastião

A capela de São Sebastião do Rio Abaixo, localizada próxima a fazenda do Pombal, em local hoje não identificado servia aos moradores da região do Rio Abaixo que estavam longe das suas matrizes (Santo Antônio e Nossa Senhora do Pilar) deveria existir desde os primeiros decênios do setecentos, antes da capela de Santa Rita. Engana-se o escritor Eduardo Canabrava Barreiros ao localizá-lo a margem esquerda do Rio das Mortes, pois ela localizava-se em terrenos do Termo da Villa de São José, portanto na margem direita e recebia pasto espiritual do vigário da freguezia de Nossa Senhora do Pilar da Villa de São João del Rei. Ai começa a confusão pois a divisão administrativa não era a mesma da divisão religiosa, como até hoje ocorre. Vejamos o registro deixado no livro de atas da Câmara de São José, na sessão de 11 de abril de 1832:


“...havendo de tempos antigos huma capella neste termo cita em as margens do Rio das Mortes com a vocação (SIC) de São Sebastião esta se demolio por falta de reditos para a sua sustentação, e os poucos desta pequenina aplicação sempre se tem entregado ao pasto espiritual da Freguezia da Villa de São João e por que o Rio das Mortes he diviza do termo e por se evitarem dúvidas em eleições inda comodo dos povos no melhoramento passando-se para a freguezia desta villa por ficarem izentos das passagens digo, ficando a pequena distância de duas legoas...”
( atas da Câmara de São José. 1829-1832, fls.124 V.125. Arquivo da Câmara de Tiradentes)


Ocorre ser lógico e aceitável ter o menino Joaquim José sido batizado na referida capela de São Sebastião, no termo da villa de São José e freguezia da matriz do Pilar de São João del Rei.
Razões não faltaram para ser lá o batismo: era próximo da fazenda Pombal, onde deu-se o nascimento; estava na mesma margem direita do Rio das Mortes, não tendo que atravessar o recém nascido em canoa, ou ir até a ponte do Porto real a quase duas léguas e ainda pagar o pedágio cobrado lá. Lá na capela, naquela época havia um capelão- João Gonzalvez, e certamente era mais próxima que a de Santa Rita. Lógico também que o assento fosse lançado no livro da paróquia do Pilar de São João del Rei que cuidava do livro pasto espiritual da Capela de São Sebastião

No próprio assento de batismo, lançado no livro de assentos de batizados da paróquia do Pilar, 1742-1749, fls. 151 V.º, livro este pertencente ao acervo da Biblioteca Nacional do Rio de janeiro, vendido que foi àquela instituição por Samuel Soares de Almeida, na primeira metade do século XX, não consta que a capela de São sebastião pertença ao termo da vila de São João del Rei.

Portanto julgamos que o Tiradentes nasceu e foi batizado na paragem do Rio Abaixo, termo da villa de São José e freguezia de São João del Rei.
A capela como se viu do documento acima foi demolida antes de 1832 por falta se rendimentos para mantê-la e é tradição oral que a imagem do padroeiro tenha sido levada para a capela de Santa Rita do Rio Abaixo. Há poucos anos lá foi furtada uma imagem de São Sebastião que poderá ter sido testemunha do batizado do nosso herói Tiradentes.

No livro de registro de inventários da paroquia de Tiradentes consta no ano de 1852 o seguinte:


“Assim mais uma Imagem de São sebastião com quatro palmos de altura, com resplendor de prata com o peso de quarenta e três oitavas" (8)


Inventário referente a Capela de Santa Rita do Rio Abaixo, então filial da matriz de Santo Antônio de Tiradentes.

Dois documentos posteriores ao nascimento do Tiradentes denunciam pertencer a fazenda do Pombal ao Termo de São José. Um deles é o testamento do Sargento-mor João Gonçalvez Chaves, falecido solteiro, em 02 de dezembro de 1759 e sepultado na capela de Nossa Senhora da Penha de França do Arraial da Laje ( hoje Resende Costa). No testamento o Sargento-mor declara que era morador:

“ ...nesta paragem do Rio Abaixo Capella de São Sebastião fillial da matriz de Nossa Senhora do Pillar de Sam Joam del Rei comarca do Rio das Mortes e Termo da Villa de Sam Joseph, onde eu João Gonçalcez Chaves sou morador....”
(livro de óbitos da freguezia de Santo Antônio da Villa de S. José. 1746-1768. Fls. 356-362- Arquivo Paroquial de Tiradentes, hoje confiscado pelo bispo de São João del Rei.)

O outro documento de importância é os autos de inventário procedido por morte de Antônia da Encarnação Xavier, sendo inventariante o seu viuvo Domingos da Silva dos Santos. O processo data de 1756, procedido no cartório da Villa de São José, onde esteve até o final do século XIX, quando foi extraviado e depois doado, em 1904 ao Instituto Histórico e Geográfico de Brasileiro, onde se acha. Nele consta claramente:


“...nesta paragem chamada o Sitio do Pombal no Rio Abaixo, termo da Villa de São José, nas casas de moradia do inventariante cabeça do casal Domingos da Silva dos santos.....”
( Revista trimestral do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo LXVI, parte I – 1º e 2º trimestre, Rio de Janeiro, Imprensa nacional 1904. P. 286)


Ainda no mesmo documento é citado entre os bens de raiz duas casas sitas na Villa de São José, em rua não mencionada, dividindo com o citado sargento –mor João Gonçalvez Chaves e com o Padre Miguel Rebelo Barbosa. Isto vem provar que o casal Domingos/Antônia, não só viviam na fazenda do Pombal, termo de São José del Rei como também tinham casa na Villa para aos domingos e dias santos passarem o dia, como era costume da época, como também para o vereador Domingos da Silva santos ter estadia, em época de sessões do Senado da Câmara.
Há que citar ainda um outro documento datado de 03 de março de 1832, registrado no livro da Câmara de São José em que é citado os curatos para efeito de nomeação da Guarda nacional, que se refere ao Rio abaixo:


“... e a que antigamente pertencia a capella de São Sebastião que agora não existe e pertence a Villa de São João pelo Eclesiástico.”
(Livro de atas da Câmara de São José. 1829-1833, fls. 117/118. Arquivo da Câmara de Tiradentes)


Trinta anos antes há nomeação de Joaquim Pinto Góes e Lara, aparentado do com o Tiradentes, para Capitão da Companhia de Ordenanças da Capela de São sebastião do Rio Abaixo e suas vizinhanças; em 14 de novembro de 1801.

(livro de atas da Câmara, 1799-1803)- Arquivo Municipal de Tiradentes

Em 12 de dezembro de 1757 faleceu Domingos da Silva dos Santos, procedendo o inventário de seus bens no cartório da Vila de São José, ficando o menino Joaquim José órfão de pai e mãe, com pouco mais de dez anos de idade, tendo certamente ficado sob os cuidados do irmão mais velho e das tias.

Uma das tias, Rita de Jesus Xavier, moradora na Vila de São José, vem a ser a mãe do importante botânico e editor Frei José Mariano da Conceição Veloso,, portanto primo de Joaquim José. Mas só quando completa 20 anos é que Joaquim José, provavelmente já tendo aprendido o oficio de tira dentes, com o seu padrinho Sebastião Ferreira Leitão, solicita as autoridades de colônia a sua emancipação para cuidar de sua herança e seus negócios, com consta do requerimento datado de 1767:


“Diz Joaquim José da Silva Xavier, filho legítimo de Domingos da Silva santos, já defunto, e de sua mulher, Antônia da Encarnação Xavier, natural da Villa de São José, comarca do Rio das Mortes, distrito das Minas Gerais, que ele suplicante, se acha com vinte anos completos, como consta da certidão de idade inserta no instrumento junto; e porque estár vivendo tratando de negócios da fazenda e tem capacidade para governar e administrar os seus béns, como justificou perante o juiz dos órfãos daquele distrito, do que se lhe passou o dito instrumento junto, e como quer se digne Vossa Majestade conceder-lhe promissão de suplemento de idade, dispensando –lhe na lei, para com ela poder requerer a entrega a sua legitima, pede a Vossa majestade seja servido conceder-lhe a dita promissão. ERM. Joaquim Alves Muniz"
Pagou na chancelana 880rs, Rio de janeiro 20/07/1761, Castelo Branco
.
(Autos de Devassa da Inconfidência Mineira, vol. 9- Câmara dos Deputados, Brasília, 1977 p. 14 e15)

O referido requerimento foi despachado no dia 15 de julho de 1767, em nome do Rei D. José I, concedendo carta de emancipação e “idade legitima”. Mas o que importa para o presente neste documento que o próprio Tiradentes ter-se declarado “natural da Vila de São José”, e este documento foi omitido na inicial apresentada pelo IHG de São João del Rei ao senhor juiz.

É ainda preciso justificar que a maioridade no século XVIII só se dava aos 25 anos, por isso o Tiradentes pediu emancipação aos 20 anos. Agora vejamos o comentário do Souto historiador dos Tarquinio José Barbosa de Oliveira ao pé da página onde se publicou tal documento:


“Tiradentes foi batizado na freguezia de São Sebastião do Rio Abaixo a 12/11/1746; nasceu na Fazenda do Pombal, próxima ao Arraial de Santa Rita do Rio Abaixo, pertencente ao termo da Vila de São josé, por sua vez compreendida na comarca do Rio das Mortes com sede em São João del Rei”.
(Auto de Devassa, cit., p. 15)


Reconhece pois Tarquinio que a fazenda do Pombal pertencia ao termo de São José. Daí para frente não aparece mais declarações de Joaquim José a respeito de seu local de origem ,a não ser no interrogatório datado de 22 de maio de 1789 quando é perguntado sobre sua identidade que respondeu:


“se chamava Joaquim José da Silva Xavier, filho de Domingos da Silva dos Santos, e de sua mulher Antônia da Encarnação Xavier, natural do Pombal termo da Vila de São João del Rey, capitania de Minas Gerais, e que tinha quarenta e hum anos de idade.....”
(Autos de Devassa, Arquivo Nacional, códice n.º 5, volume 5, folha 2)


Poderá o escrivão ter anotado São João del Rei em lugar de São José del Rei ou o próprio Tiradentes ter declarado Pombal, termo da Comarca de São João del rei, pois ele se equivoca sobre sua própria idade, pois pelo assento de batizado teria neste ano de 1789 a idade de 43 anos. Se considerarmos a declaração acima ele teria nascido em 1748, como se acreditou durante muitos anos.

Durante todo o século XIX e inicio do XX, acreditou-se que o Tiradentes havia nascido na Vila de São José, é a cidade de São José que vinham os intelectuais e propagandistas da republica promover sessões cívicas em honra ao herói, na casa do inconfidente Padre Toledo. Mas é o inflamado escritor Antônio da Silva Jardim, que em 1889, em discurso que sugere mudar o nome do rei português (D. José I) para o herói Tiradentes, o que se dará por decreto de José Cezário Alvim, governador provisório de Minas em 6 de dezembro de 1889, com o nº 3. Como disse Ângelo Oswaldo de Araújo Santos ,atual prefeito de Ouro Preto. *


O mestre Silva Jardim, no dia 21 de abril de 1890 profere um memorável discurso em homenagem ao Tiradentes, como programação do “ Clube Tiradentes” fundado por um antigo morador da cidade de São José del Rei, no Salão do Cassino fluminense, em que diz a respeito do herói:

“Não podia dizer, como César, que provinha dos reis, que eram senhores do mundo, nem dos deuses, que eram os senhores dos reis. Nascera de uma modesta família de São José del Rei, em Minas Gerais família parca em glórias e fazendas.”
(Tiradentes, discurso lido por Silva Jardim na Sessão Solene do Club Tiradentes, em homenagem ao patriota Matyr, na noite de 21 de abril de 189, Rio de Janeiro, Ty. De G. Leuznger e Filhos, 1890. P. 21)

A cidade de Tiradentes sempre teve estreita relação com a figura do protomártir da independência brasileira, deste o século XIX.

Em 1892, quando se comemorou o primeiro centenário de morte do herói, foi criada na cidade a Sociedade Comemorativa do Centenário do Tiradentes presidida pelo Comendador Carlos José de Assis, que promoveu grandes solenidade em torno do 21 de abril, com uma sessão magna nos salões da casa do Pe. Toledo, procissão cívica e uma solene missa de requiem pela morte do herói. Foi ainda essa sociedade que promoveu a construção de um monumento ao herói, colocado no centro do Largo das Forras, que passou a se chamar praça da Liberdade. (9)

Em 1894 as ruas da cidade recebeu os nomes do Tiradentes, do Pe. Toledo, do Resende Costa entre outros. Foi o primeiro monumento erigido ao Tiradentes na região do Rio das Mortes e o segundo erigido no estado de Minas gerais, somente posterior a Coluna Saldanha Marinho, em Ouro Preto, substituída em 1894 pelo monumento atual.
No ano de 1992 foi montada nova comissão Comemorativa do Bicentenário da Morte de Tiradentes, tendo promovido missa solene, na matriz de santo Antônio, celebrada pelo presidente da CNBB D. Luciano Mendes de Almeida e concelabrada por D. Serafim Fernandes de Araújo, cardeal de Belo Horizonte e outros seis bispos e quarenta padres da diocese e da província eclesiástica de Juiz de Fora. Assistiu a cerimônia o Vice- presidente da República Itamar Franco e o Vice governador de Minas Arlindo Porto. Houve ainda uma apresentação da esquadrilha da fumaça, chuva de rosas sobre a cidade, salva de 12 tiros pelo exercito brasileiro e sessão Solene da Assembléia Legislativa de Minas Gerais.
Por fim temos a dizer a respeito do livro do Sr. Eduardo Canabrava Barreiros – As Vilas del Rei e cidadania do Alferes, José Olimpo do Rio de Janeiro , 1977 que o próprio autor revela na introdução Ter sido o livro encomendado pela Câmara municipal de São João del Rei, especialmente pela vereadora Alba Lombardi, com o intuito claro de dar razão aos que defendem ter Joaquim José da Silva Xavier, nascido em São João del rei. É curioso o autor ter citado tantos documentos e não Ter se que referido a petição de Joaquim José datada de 1767, quando se declara natural da Villa de São José. Parece omissão proposital.

Finalizando, citamos o artigo do professor de história e publicitário Yves Gomes Ferreira Alves, sócio do IHG de Tiradentes, falecido em 1996:


“que isso ocorra no âmbito do estudo da historia local é perfeitamente compreensível. Ir além expor-se a um jornalismo sensacionalista que pode levar ao ridículo o esforço edificante daqueles que, nas duas cidades, se empenham, atualmente, em construir um programa comemorativo à altura do evento de 21 de abril.
Afinal Tiradentes é tão mineiro nascido em São João quanto em São José. Há muito ele não pertence só a Minas Gerais. Pertence a todos que, neste momento, querem reverenciá-lo realmente.”

(Yves Alves – Pelo Amor de Deus não Esquartejem, O Tiradentes outra vez, jornal do Bicentenário do Martírio de Tiradentes, Tiradentes, MG-21 de abril de 1992)

Pelo exposto fica claro que o Instituto Histórico e geográfico de Tiradentes não concorda com a argumentação apresentada pelo seu congênere de São João Del Rei e continuará a afirmar, baseado no acima escrito que Joaquim José das Silva Xavier, herói maior da nação brasileira, o cavaleiro liberdade, nasceu em solo sagrado da VILLA DE SÃO JOSÉ DEL REI, no estado de Minas Gerais.




1º tesoureira

A- Fontes Primárias

· Arquivo do IHG de Tiradentes
- Livro primeiro de Acórdãos e Criação da Vila de São Joseph. 1718-1722

· Arquivo da paróquia de Santo Antônio de Tiradentes
- Livro de óbitos. 1746-1768

· Arquivo da Câmara Municipal de Tiradentes
- Livro de Atas. 1829-1833

· Arquivo Público Mineiro
- códice S.C n.º 12- 1717-1721

B- Livros

- Veloso, Herculano. Ligeiras memórias sobre a Vila de São José e seu Termo nos tempos coloniais, BH, Imprensa oficial, 1955.
- Barreiros, Eduardo Canabrava. As Vilas del Rei e a cidadania de Tiradentes, Rio de Janeiro, José Olímpio, 1976.
- Autos de Devassa da Inconfidência Mineira, Brasília, Câmara dos Deputados, 1977.
- Jardim, Silva. Tiradentes, discurso lido por... na sessão solene do Club Tiradentes, em homenagem ao patriota mártyr na noite de 21 abril de 1890, Rio de Janeiro, tipografia G. Leuznger e filhos, 1890.

C- Periódicos
- Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo LXVI, parte 1, 1º e 2º trimestre, Rio de Janeiro, imprensa nacional, 1904.
- Jornal do Bicentenário do Martírio de Tiradentes, Tiradentes, MG, 21 de abril de 1992.
- Revista do Arquivo Público Mineiro, ano XXIV, BH, imprensa oficial, 1933.
(Basílio de Magalhães- Estudos Históricos- Controvérsias)

D- Diversos
- Almeida, Samuel Soares. Limites de São João e São José, notas datilografadas, copiadas pelo cônego Trindade, 1950- Arquivo 13ª SR IPHAN/MG.


(1) Veloso, Herculano- Ligeiras memórias sobre a Vila de São José e seu Termo nos tempos coloniais, BH, Imprensa oficial de Minas Gerais, 1955. P.18,19,36,37.
(2) Veloso, Herculano- Ligeiras memórias sobre a Vila de São José e seu Termo nos tempos coloniais, BH, Imprensa oficial de Minas Gerais, 1955. P.18,19,36,37.
(3) Veloso, opcit,P.36
(4) Veloso, opcit ,P. 36
(5) Veloso, opcit,P.37
(6) Veloso, opcit ,P. 37
(7) Veloso, opcit,P.33
(8) Livro de registros das Capelas e tombos de São José del Rei. 1852-1875,fl. 27 – Vº APT
(9) Santos Filho, Olinto Rodrigues dos. São José del Rei: República e Tiradentes, in Jornal do Bicentenário do Martírio de Tiradentes, Tiradentes, 21 de abril de 1992.

São José de Rei: República e Tiradentes



Foi na Vila de São José, nome dado em homenagem ao infante D. José, que nasceu, em 1746, Joaquim José da Silva Xavier. O pai de Joaquim José era o português Domingos da Silva Santos, estabelecido na região há bom tempo, tendo exercido cargos públicos como vereador no Senado da Câmara e Almotacel.
Este Domingos foi casado com Antônia da Encarnação Xavier. O casamento ocorreu na Matriz de Santo Antônio da Vila de S. José, em 30 de junho de 1738. Antônia da Encarnação, nascida em 1721, na mesma vila, era filha de Domingos Xavier Fernandes, um dos primeiros habitantes do Arraial Velho do Rio das Mortes.
Joaquim José vai se tornar o conhecido alferes Tiradentes, depois de muitas andanças por Minas e Rio. Progador das idéias da Conjuração Mineira, intentada pela intelectualidade e fazendeiros – mineradores das comarcas de Vila Rica e Rio das Mortes. Apaixonado pelas idéias de liberdade da pátria mineira, o alferes tornou-se figura impar dentro do movimento, inspirado nas idéias iluministas francesas, sonhava com a república e trazia consigo uma tradução francesa de uma coletânea das leis das colônias inglesas na América do Norte. Debelado o movimento, presos os acusados, processados e mofando nos cárceres da Ilha das Cobras, durante três anos, o Tiradentes chama para si, nos depoimentos, a responsabilidade maior do malogrado levante, eximindo Tomás Antônio Gonzaga, que dizem tratavam das leis da nova nação. Na Segunda metade do século XIX, já no reinado do nosso Pedro II, o historiador Joaquim Norberto de Souza e Silva, faz o primeiro estudo sobre a Inconfidência Mineira e o Tiradentes, muito sob a visão de monarquista e sem querer desagradar o seu imperador, homem querer desagradar o seu imperador, homem pacato e amigo da intelectualidade.
Com a fundação em 1870, no Rio de Janeiro, do partido Republicano, lançando o manifesto republicano, inicia-se efetivamente a propaganda da república. Lança o jornal “A República” e muitos dos históricos defensores daquele ideal se agregam em torno dele. É aqui que a figura ímpar de Joaquim José da Silva Xavier desponta irreversivelmente como herói nacional, símbolo e precursor do ideal republicano.
Em 1872 o Dr. Pedro Bandeira de Gouvêa lança na imprensa carioca uma campanha para erigir um estátua ao herói. Abre-se uma subscrição popular. A iniciativa de Bandeira Gouvêa é atacada com ímpeto por Joaquim Noberto e segue-se uma polêmica na imprensa da época. Bandeira Gouvêa reúne artigos num opúsculo publicano no mesmo ano.
Neste final de século XIX, o abolicionista e republicano Angelo Agostini, imigrante italiano, mas comprometido com as idéias de liberdade brasileira, desenha e faz publicar a primeira representação do Tiradentes. Como não havia registro algum da figura do herói mineiro, Agostini idealiza uma figura do herói mineiro, Agostini idealiza uma figura de cabelos e barba longos lembrando a figura de Cristo, imagem que se vai multiplicar e persistir até os dias atuais, embora de longe não corresponda à realidade dos costumes e usos dos fins do século XVIII.
Em 21 de abril de 1881, um grupo de republicanos funda no Rio de Janeiro o “Clube Tiradentes”, sob a direção de Antunes, natural de S. José del Rei, de longa duração, que além de divulgar o ideal republicano, cultuava a memória do mineiro ilustre.
Ainda na década de 1880, um grupo de republicanos ligados ao Clube Tiradentes, viaja a Minas e faz uma “romaria cívica” à terra do herói. Estes republicanos vêm encontrar na Velha Cidade de S. José del Rei, a casa do vigário Pe. Carlos Corrêa de Toledo e Melo, um dos inconfidentes, que àquela época acreditava-se tratar da casa do próprio Tiradentes.
Ali, os republicanos fizeram Sessão Cívica em louvor ao Tiradentes e pregaram o advento da república. Ainda neste período, imediatamente anterior à proclamação da República, o grupo de propagandista do novo regime descobriu no Cartório de S. José del Rei, o inventário dos bens dos pais do Tiradentes, documento posteriormente extraviado, e hoje no arquivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Este documento veio a estabelecer o local do nascimento do herói em São José del Rei. No ano de 1889, Dr. Sampaio Ferras, profere uma conferência no aniversário da morte do Tiradentes, como noticiou o jornal republicano “Pátria Mineira” de S. João del Rei, no seu número inaugural do referido ano. A nota publicada no jornal diz sobre a casa do Pe. Toledo, o seguinte: “esta casa costuma ser visitada nestes dias pelas pessoas que veneram a memória gloriosa dos inconfidentes, e nela já se tem celebrado sessões comemorativas do aniversário do proto-Martyr”.
No dia 23 de abril de 1889, Silva Jardim, o líder republicano mais exaltado e que acreditava no advento do novo regime através da mobilização popular, em visita a São João del Rei, tentou falar ao povo e foi agredido com pedradas, no Grande Hotel, onde se hospedava. Neste mesmo dia, Silva Jardim chega a Estação de São José del Rei (hoje Tiradentes) pelo trem da Estrada de Ferro Oeste de Minas e lá mesmo faz um inflamado discurso republicano, em que sugeriu que o nome da terra natal de Joaquim José da Silva Xavier fosse mudado de São José del Rei, que lembravam o nome de um rei português, para Tiradentes, em homenagem ao maior herói da nação.
Com os acontecimentos dos dias 15 e 16 de novembro de 1889, que tornaram realidade a República, não pela ação popular, mas pela mão dos militares descontentes, a província de Minas torna-se Estado da Federação. Coube ao segundo governador provisório do Estado, o Dr. José Cesário de Faria Alvim, assinar o ato número 03, datado de 6 de dezembro de 1889, que mudou o nome de São José del Rei para Tiradentes, propulsionado pelo ilustre estadista mineiro Dr. João Pinheiro da Silva Jardim no início do ano. O ofício que comunica o aludido ato ao presidente da Câmara, o Barão de Itapicirica, é o seguinte: “Comunico, para Vosso conhecimento a fim de que torneis público por editaes, que por ato desta data, determinei que essa cidade e município passe a ter a denominação Cidade e município de Tiradentes. Saúde e fraternidade. José Cesário de Faria Alvim”.
Só no dia 28 de dezembro de 89 que o presidente da Câmara Municipal expede edital comunicando a substituição do nome da cidade e vai aparecer na imprensa sanjoanense em janeiro de 1890. “O Pátria Mineira” publica o edital nos números 34, 35 e 36 do referido ano de 90.
É na cidade de Tiradentes que, em junho de 1890, o Clube Republicano local, apresenta proposta aos membros dos Conselho da Intendência para a mudança dos nomes das ruas centrais para os nomes dos inconfidentes como: Rua de Cima para Rua Padre Toledo; Rua das Forras para Resende Costa; Largo das Forras para Inconfidência; Largo do Passo (Largo do Ó) para Vitoriano Veloso.
Em 1892, organiza-se com entusiasmo na cidade a Sociedade Comemorativa do Centenário do Tiradentes, capitaneada pelo comendador Assis, seguido do promotor público da recém criada comarca, o Sr. Presalindo Lery dos Santos.
Em 1932 a prefeitura local resolveu reformar o monumento e encomendou ao artista popular Antônio Gomes um busto de Tiradentes, que substituiu a urna funerária existente na coluna, e ainda foram, acrescentadas 16 rosetas nas faces das bases. Em 1942 colocou-se uma efígie do mártir em uma das faces do monumento, por ocasião da primeira jornada do Fogo Cívico da Pátria.
A festa que se realizou no dia do centenário da morte de Tiradentes foi muito concorrida e divulgada na imprensa sanjoanense e no “Minas Gerais”.


Olinto Rodrigues dos Santos Filho
Pesquisador do IBPC, Sócio do IHGT e Presidente da SAT.

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