Estrada da Caixa D'água, antigo leito da Estrada de Ferro, com a Capela de N. Fátima, construída no final do séc. XX essa e as demais fotografias são de autoria de David Nascimento |
Na área rural de
Tiradentes há hoje um povoado que tem o nome de Caixa d’Água da esperança e
conta hoje com muitas casas, tinha uma escola e nos últimos anos foi construída
uma capela de Nossa Senhora de Fátima, com torre e sino.
Atualmente celebra-se a
festa da padroeira da capela.
O povoado surgiu da
“Fazenda da Esperança” instalada em terras férteis que ia até o Rio das Mortes.
Em 27 de Janeiro de 1896
foi aberto o inventario administrativo do Exmo. Barão de Santa Maria – Nicolau
Neto Carneiro Leão, proprietário da referida fazenda, sendo inventariante a
Exma. Sra. Baronesa de Santa Maria – D. Rita Roxo Carneiro Leão.
"O Barão de Santa Maria, Nicolau Netto Carneiro Leão [24757_4], com sua esposa, a Baronesa de Santa Maria, Rita Clara Gonçalves de Oliveira Roxo [24757a_4] com suas duas filhas: Joaquina Clara Carneiro Leão [24784_4] e Rita de Cassia Carneiro Leão [24772_4]. Foto Acervo Helena da Cunha Bueno".
O casal Nicolau e D. Rita
tiveram os seguintes filhos:
·
Dr. Nicolau Neto Carneiro Leão;
·
Rita de Cassia Neto Carneiro Leão Ribeiro
– que foi casada com o Dr. Honório Augusto Ribeiro;
·
Dr. Francisco Neto Carneiro Leão;
·
José Carneiro Leão e
· A Baronesa Oliveira Roxo – D. Joaquina
Claro Carneiro Leão, casada com o barão Oliveira Roxo – Mathias Gonçalves d’Oliveira
Roxo.
O barão e a baronesa deve
ter vivido com os filhos no Chalet, sede da fazenda da esperança, certamente
construído por eles. No inventário a casa é descrita “um chalet, de construção moderna, sobre alicerces de pedra, forrado e
assoalhado” no valor dêz contos de reis. O chalet estava construído em
terreno de sessenta alqueires de terras e capoeiras, cultura e pastos e foi
avaliado em nove contos der eis. Além do chalé havia ainda “casa de vivenda antiga, com suas
dependências, carecendo de reparos”. “Um
paiol, uma ceva, um engenho em parte arruinado.”
Fachada do Chalé da Baronesa de Santa Maria pouco antes da demolição no final da dec. de 1970. Acervo da Família Silva |
Fotografias do que sobrou após a demolição do Chalé da Baronesa
A casa como esta dito era
construção “moderna”, certamente da segunda metade do século XIX e tinha os
seguintes moveis:
·
“Quatro
sofás”;
·
“Trinta
e seis cadeiras”;
·
“Uma
mesa redonda e três consolos”;
·
“Uma
mesa de jantar”
·
“Seis
mesas pequenas”
·
“Três
guarda-louças”
·
“Um
guarda comidas”
·
“Um
relógio de parede”
·
“Um
guarda-vestidos”
·
“Quatro
cômodas”
·
“Duas
cantoneiras”
·
“Seis
camas de solteiros”
·
“Duas
camas de casados”
·
“Quatro
mezinhas de cabeceiras”
·
“Uma
estante para livros”
·
“Uma
secretaria”
·
“Um
piano” (certamente de reforma) “e estante para músicas”
·
“Louças
de uso, talheres e trem de cosinha”
·
“Um
lote de oito castiçais”
Ao que parece todo o
mobiliário era “moderno” pois já haviam cômodas e guarda-vestidos e não as
arcas coloniais. A pratica de música devia ter sido deixada de lado porque o
piano necessitava reforma; a estante de música seria para o cantor?
No momento do inventário
(1896) os filhos Nicolau Neto Carneiro Leão e Francisco Neto Carneiro Leão
residiam em São Paulo, tendo mandado procuração para o irmão José Carneiro Leão,
que devia ter ficado com a mãe viúva. As duas filhas de Rita de Cassia e
Joaquina já eram casadas, tendo uma o título de Baronesa.
Fotografias do que sobrou após a demolição do Chalé da Baronesa
Nicolau Neto Carneiro
Leão nasceu em Minas Gerais, possivelmente em Tiradentes, em 1824. Morreu em
Tiradentes no dia 16 de dezembro de 1994. Era filho do importante estadista do
império Honório Hermeto Carneiro Leão, Marquês do Paraná e de Maria Henriqueta
Neto. Nicolau foi proprietário de terras na região de Barra do Piraí, no estado
do Rio, além de militar. Recebeu o título de Barão de Santa Maria em 17 de maio
de 1871.
A Baronesa de Santa Maria
– Rita de Cassia Gonçalves de Oliveira Roxo, depois carneiro Leão, nasceu em
Pirai, no estado do Rio de Janeiro em 20 de maio de 1833 e faleceu no Rio de
Janeiro em 20 de agosto de 1912. Era filha de José Gonçalves de Oliveira Roxo,
Barão de Vargem Alegre e de Joaquina Clara de Morais, Baroneza de Vargem
Alegre.
Como as terras do Barão
de Santa Maria eram em Piraí, fico pensando se ele no fim da vida resolveu
voltar para a região onde nasceu e construiu seu chalé, onde veio a falecer,
enquanto a Baronesa volta para morrer no Rio de Janeiro.
Nicolau Neto Carneiro Leão
estudou na escola da Marinha do Rio de Janeiro, após formado foi para a
Inglaterra praticar na marinha inglesa, servindo por 10 anos. Participou da
Guerra da Crimeia (1856 – 1856) e foi condecorado pela rainha Vitória. Voltou
ao Brasil abandonou a carreira de militar para dirigir a “Companhia Brasileira
de Paquetes a Vapor” e tornou-se fazendeiro em Piraí, RJ. O título de Barão de
Santa Maria tem relação com a sua Fazenda Santa Maria próxima a Estação de Santana
E. F.Central do Brasil. Foi ainda proprietário da Fazenda dos Alpes, em Barra Mansa.
“Entretanto, seu ideal não era a
pesada lavoura de café em província estranha, mas a volta ao seu querido torão natal.
TIRADENTES, do qual não podia esquecer-se para acabar seus dias, respirando a busa
das terras mineiras.”
E o conseguiu e realizou em pitoresca e amena
chácara que adquirira próximo a sua cidade natal, mas infelizmente como só para
realizar seu sonho dourado, o desejado regresso a prátria querida, pois que bem
curto foi o
período desse gozo”
(Oswaldo de Gusmão – João Roxo e seus Descendentes. Postado em 07 de Julho de
2010).
Após seu falecimento foi sepultado no cemitério de Nossa Senhora das
Mercês em são João del Rei.
Não sabemos se o chalé foi construído antes ou depois da estrada de Ferro
Oeste de Minas, mas certamente em data aproximada, uma vez que o barão veio já
no fim da vida e no documento de inventário é tratada como “moderna”.
A casa de grandes dimensões para S. José del Rei/Tiradentes, tinha
planta em retângulo, com pátio interno ou jardim de inverno em retângulo,
calçado de lajotas de cerâmica. A fachada principal sob um alto embasamento de
pedra aparente apresentava no centro três janelas rasgadas, de verga reta, com
sacadas de ferro entaladas, bandeiras de vidro e folhas de abrir em grandes
vidros (3 de cada lado). Nas extremidades haviam duas janelas, sem sacadas com
o mesmo tratamento de vidraça.
O telhado, com telhas francesas, em duas águas formava uma empena
frontal, contornado por faixa e centrada por janelinha vedada por adufas. Os
beirais laterais eram ornados com lambrequins e nos cantos tinha uma espécie de
flecha, de influência das estações de trem. Haviam duas entradas laterais, uma
de cada lado que se faziam por escadas de pedra e amplo patamar de pedra azul,
cujas lajes estão hoje no piso do pátio do chafariz. Uma grade ferro servia de
guarda corpo da escada e do patamar. As duas portas laterais davam acesso a
dois vestíbulos que antecediam o salão que correspondia as três sacadas, onde
certamente estavam os quatro sofás e cadeiras, cantoneiras, mesa e o piano com
estante de música.
Para as laterais ficavam os quartos e um corredor envidraçado dava
acesso aos quartos e a cozinha, no canto posterior à esquerda e no fundo também
ficava ampla sala de jantar. A casa segundo informações de D. Eliza Silveira
tinha 14 cômodos.
O porão alto não só dava ventilação ao assoalho estreito de tábuas de
pinho de riga, mas dava imponência a casa. Os forros eram de “lambris” em
mosaicos decorados. Ultimamente o chalé era pintado de amarelo, com cunhais e
faixas brancos o que certamente aproximava da pintura original. Os cômodos
tinham as paredes revestidas de papel de parede decorado, em desenhos e cores
diferentes para cada cômodo. É interessante notar que o tratamento dos cunhais
do embasamento de pedra, no tipo almofada é muito semelhante ao tratamento dado
as cantarias das estações férreas dessa época.
Na parte da frente da casa havia um amplo jardim, com altas guapuruvus,
arecas e margaridas. Por trás, quintal de arvores frutíferas. Após a morte do
Barão de Santa Maria, em 1894, e o inventário de 1986, é possível que a
Baronesa Rosa tenha ido definitivamente para o Rio de Janeiro, mas o imóvel
continuou com os herdeiros, passando depois para o Senhor José Thobias, cujos
herdeiros o venderam na década de 1980 a Davi Silveira (Lilito). Foi nessa
época, por volta de 1981 que o Lilito Silveira vendeu a construção para a
demolição e utilização do material em um condomínio em Nova Lima. Os
Compradores foram Carlos Eduardo e Carlos Fernando de Castro Oliveira, que
depois mudaram-se para Tiradentes abrindo o restaurante Teatro da Vila, onde
havia um fragmento da decoração do beiral do chalé. Foi intermediário na venda
do material de demolição o Francisco Araújo Lourenço, o Chiquinho do Bar.
Como parte dos alicerces, as escadas e patamares ficaram no locam, foram
comprados os dois patamares de pedra azul, em 1982, para compor o calçamento do
pátio do chafariz de São José, quando foi feito o agenciamento do largo através
do projeto de Roberto Burle Marx. O cimentado feito em 1915 foi retirado
aparecendo o pé-de-moleque que foi substituído por lajes de sobras retirados de
ruínas da cidade.
As ruínas que sobreviveram no local consta de quatro alicerces de pedra
das paredes mestras; do embasamento alto de pedra, com os cantos aparelhados da
fachada principal; de duas hoje rampas paralelas as fundações laterais onde
haviam as duas escadas e os dois patamares, cujas pedras aparelhadas foram
retiradas. Os pilares de pedras que sustentavam o barroteamento do assoalho
alteado; vestígios da escada que descia para o pátio interno e restos de
lajotas de cerâmica de 30x30cm que revestiam o piso do jardim de inverno.
A Estrada de Ferro Oeste de Minas foi construída entre 1880 e 1881,
sendo inaugurada pelo imperador D. Pedro II, em 28 de agosto daquele ano, e
data certamente dessa época a instalação de uma caixa d’água de ferro apoiada
sobre oito pilares de trilhos de ferro que seria para abastecer a locomotiva de
água dois dos telhados tem a data de 1895. A caixa d’água ficava entre a
Estação de Prados e a de Tiradentes e junto a ela, foi construído em “pé de
estubo” ou pequena plataforma de pedras e cimento onde os viajantes embarcavam
no trem. Por trás da plataforma existia um cômodo em retângulo que era usado
como armazém para guardar as mercadorias chegadas e embarcadas no trem. Com o
passar do tempo a Fazenda da Esperança perdeu sua importância até a casa ser
demolida e o local passar a ser conhecido como “Caixa d’Água da Esperança” no
que até hoje. A parada do trem era exatamente em frente a Fazenda da Esperança,
o que deve ter sido desejo do Barão de Santa Maria.
Aliás o casal de barões além do mobiliário já descrito existente na casa
tinha ainda no terreno dois cavalos, uma besta, dois burros, nove porcos, 28 garrotes
e bezerros, trinta e cinco vacas, um touro e seis bois de carros com os nomes
de “Marmelo, Florão, Mariocano, Morro Grande, Laranjo e Figurão”; quarenta
carneiros. As vacas tinham nomes curioso como: Mimosa, Facena, Caracu ou Letrada.
Ainda tinham dois carros de bois, uma carroça de bois e duas carroças de
burros.
Fotografia de 1976 encontrada na página pessoal de Renan Marinho Oliveira |
No povoado da Caixa d’Água existe ainda a casa de fazenda de David
Silveira, construída em estilo eclético, com planta em L, cobertura em telha
francesa com beirais decorados com lambrequins. A fachada principal apresenta
frontão ou empena triangular com dois óculos em losango e medalhão circular com
as iniciais DS (David Silveira). Os vãos da fachada são distribuídos regularmente com
porta central e duas janelas de cada lado, com caixilharia de guilhotina e
apresentando sobrevergas de massa. Há ou havia, em 2001, uma mesa de jantar em
madeira escura com seis pés torneados e canelados, sobre rodízios de meta, saia
e aba reta, tampo liso, com bordas molduradas e cantos arredondados. A mesa tem
dispositivo para aumenta, e é conhecida como mesa elástica, datável do século
XIX, medindo 23cm de altura x 127cm de largura e 242cm de comprimento. Segundo
as informações dos proprietários a mesa pertenceu ao chalé do Barão de Santa
Maria e foi adquirida por D. Derlinda Augusta Silveira do Sr. José
Tobias, proprietário da casa após os barões. Seria a mesa de jantar descrita no
inventario de 1896 “uma mesa de jantar
avaliada em cinquenta mil reis”.
E mister lembrar que segundo informações orais no chalé também
funcionava uma escola rural ministrada por D. Rosa do Seu Zequita que ainda usa
lousa para as crianças escreverem, segundo D. Elza Silveira que foi aluna dessa
escola.
É interessante lembrar que existia no povoado da Caixa d’Água do Alambique
de Juca do Lino (José Pedro do Nascimento) que produz aguardente
comercializado na região. Houve ainda o alambique de Neca Paixão cuja pinga era
considerada de excelente quantidade.
Casa do Lino Franco |
A casa que do Lino Franco do Nascimento, construída no início do século
XX, é belo exemplar que ainda se mantém integro, com pinturas de forma ou
máscara essa barra junto aos forros e no lugar do chuveiro, imitando azulejos
azuis e brancos.
Casa do Lino Franco |
D. Elza, filha Lino Franco, na casa onde nasceu |
Havia, segundo informações uma casa mais antiga que foi de Lino Franco do Nascimento (1897-1971), que atualmente sobrou pequena parte de adobe. Na frente ainda existe um embasamento que contém um “terreno” onde eram secados os cereais (arroz, feijão, etc) e foi nesta casa que existiu uma “Ermida” onde foi o casamento de uma das filhas da família.
A Caixa d’Água ainda pode ser admirada pela vida rural com criação de
porcos, galinhas, cachaças e a produção de “quitandas”, como biscoitos de nata,
quebra-quebra e doces típicos em compota que são comercializados, além de
excelente mel. Várias casas fazem parte da “Rota do Sabor”, criada pelo
prefeito.
Junto a antiga fazenda de David Silveira ainda se pode ver os típicos
paióis elevados e um moinho de fubá, movido a água, hoje ficando cada vez mais
raros.