quarta-feira, 7 de agosto de 2019

A Caixa d’Água e o Chalé da Baronesa


Estrada da Caixa D'água, antigo leito da Estrada de Ferro, com a Capela de N. Fátima, construída no final do séc. XX
essa e as demais fotografias são de autoria de David Nascimento




Na área rural de Tiradentes há hoje um povoado que tem o nome de Caixa d’Água da esperança e conta hoje com muitas casas, tinha uma escola e nos últimos anos foi construída uma capela de Nossa Senhora de Fátima, com torre e sino.

Atualmente celebra-se a festa da padroeira da capela.

O povoado surgiu da “Fazenda da Esperança” instalada em terras férteis que ia até o Rio das Mortes.
Em 27 de Janeiro de 1896 foi aberto o inventario administrativo do Exmo. Barão de Santa Maria – Nicolau Neto Carneiro Leão, proprietário da referida fazenda, sendo inventariante a Exma. Sra. Baronesa de Santa Maria – D. Rita Roxo Carneiro Leão.


Nicolau Netto Carneiro Leão           Nicolau Netto Carneiro Leão


"O Barão de Santa Maria, Nicolau Netto Carneiro Leão [24757_4], com sua esposa, a Baronesa de Santa Maria, Rita Clara Gonçalves de Oliveira Roxo [24757a_4] com suas duas filhas: Joaquina Clara Carneiro Leão [24784_4] e Rita de Cassia Carneiro Leão [24772_4]. Foto Acervo Helena da Cunha Bueno".


O casal Nicolau e D. Rita tiveram os seguintes filhos:

·         Dr. Nicolau Neto Carneiro Leão;
·         Rita de Cassia Neto Carneiro Leão Ribeiro – que foi casada com o Dr. Honório Augusto Ribeiro;
·         Dr. Francisco Neto Carneiro Leão;
·         José Carneiro Leão e

·     A Baronesa Oliveira Roxo – D. Joaquina Claro Carneiro Leão, casada com o barão Oliveira Roxo – Mathias Gonçalves d’Oliveira Roxo.

O barão e a baronesa deve ter vivido com os filhos no Chalet, sede da fazenda da esperança, certamente construído por eles. No inventário a casa é descrita “um chalet, de construção moderna, sobre alicerces de pedra, forrado e assoalhado” no valor dêz contos de reis. O chalet estava construído em terreno de sessenta alqueires de terras e capoeiras, cultura e pastos e foi avaliado em nove contos der eis. Além do chalé havia ainda “casa de vivenda antiga, com suas dependências, carecendo de reparos”. “Um paiol, uma ceva, um engenho em parte arruinado.


A imagem pode conter: céu, casa e atividades ao ar livre
Fachada do Chalé da Baronesa de Santa Maria pouco antes da demolição no final da
dec. de 1970. Acervo da Família Silva



Fotografias do que sobrou após a demolição do Chalé da Baronesa

      


                      


A casa como esta dito era construção “moderna”, certamente da segunda metade do século XIX e tinha os seguintes moveis:

·         Quatro sofás”;
·         “Trinta e seis cadeiras”;
·         “Uma mesa redonda e três consolos”;
·         “Uma mesa de jantar”
·         “Seis mesas pequenas”
·         “Três guarda-louças”
·         “Um guarda comidas”
·         “Um relógio de parede”
·         “Um guarda-vestidos”
·         “Quatro cômodas”
·         “Duas cantoneiras”
·         “Seis camas de solteiros”
·         “Duas camas de casados”
·         “Quatro mezinhas de cabeceiras”
·         “Uma estante para livros”
·         “Uma secretaria”
·         “Um piano” (certamente de reforma) “e estante para músicas”
·         “Louças de uso, talheres e trem de cosinha”
·         “Um lote de oito castiçais”

Ao que parece todo o mobiliário era “moderno” pois já haviam cômodas e guarda-vestidos e não as arcas coloniais. A pratica de música devia ter sido deixada de lado porque o piano necessitava reforma; a estante de música seria para o cantor?

No momento do inventário (1896) os filhos Nicolau Neto Carneiro Leão e Francisco Neto Carneiro Leão residiam em São Paulo, tendo mandado procuração para o irmão José Carneiro Leão, que devia ter ficado com a mãe viúva. As duas filhas de Rita de Cassia e Joaquina já eram casadas, tendo uma o título de Baronesa.


Fotografias do que sobrou após a demolição do Chalé da Baronesa


       


Nicolau Neto Carneiro Leão nasceu em Minas Gerais, possivelmente em Tiradentes, em 1824. Morreu em Tiradentes no dia 16 de dezembro de 1994. Era filho do importante estadista do império Honório Hermeto Carneiro Leão, Marquês do Paraná e de Maria Henriqueta Neto. Nicolau foi proprietário de terras na região de Barra do Piraí, no estado do Rio, além de militar. Recebeu o título de Barão de Santa Maria em 17 de maio de 1871.

A Baronesa de Santa Maria – Rita de Cassia Gonçalves de Oliveira Roxo, depois carneiro Leão, nasceu em Pirai, no estado do Rio de Janeiro em 20 de maio de 1833 e faleceu no Rio de Janeiro em 20 de agosto de 1912. Era filha de José Gonçalves de Oliveira Roxo, Barão de Vargem Alegre e de Joaquina Clara de Morais, Baroneza de Vargem Alegre.

Como as terras do Barão de Santa Maria eram em Piraí, fico pensando se ele no fim da vida resolveu voltar para a região onde nasceu e construiu seu chalé, onde veio a falecer, enquanto a Baronesa volta para morrer no Rio de Janeiro.

Nicolau Neto Carneiro Leão estudou na escola da Marinha do Rio de Janeiro, após formado foi para a Inglaterra praticar na marinha inglesa, servindo por 10 anos. Participou da Guerra da Crimeia (1856 – 1856) e foi condecorado pela rainha Vitória. Voltou ao Brasil abandonou a carreira de militar para dirigir a “Companhia Brasileira de Paquetes a Vapor” e tornou-se fazendeiro em Piraí, RJ. O título de Barão de Santa Maria tem relação com a sua Fazenda Santa Maria próxima a Estação de Santana E. F.Central do Brasil. Foi ainda proprietário da Fazenda dos Alpes, em Barra Mansa.

Entretanto, seu ideal não era a pesada lavoura de café em província estranha, mas a volta ao seu querido torão natal. TIRADENTES, do qual não podia esquecer-se para acabar seus dias, respirando a busa das terras mineiras.”

E o conseguiu e realizou em pitoresca e amena chácara que adquirira próximo a sua cidade natal, mas infelizmente como só para realizar seu sonho dourado, o desejado regresso a prátria querida, pois que bem curto foi o período desse gozo” (Oswaldo de Gusmão – João Roxo e seus Descendentes. Postado em 07 de Julho de 2010).

Após seu falecimento foi sepultado no cemitério de Nossa Senhora das Mercês em são João del Rei.
Não sabemos se o chalé foi construído antes ou depois da estrada de Ferro Oeste de Minas, mas certamente em data aproximada, uma vez que o barão veio já no fim da vida e no documento de inventário é tratada como “moderna”.

A casa de grandes dimensões para S. José del Rei/Tiradentes, tinha planta em retângulo, com pátio interno ou jardim de inverno em retângulo, calçado de lajotas de cerâmica. A fachada principal sob um alto embasamento de pedra aparente apresentava no centro três janelas rasgadas, de verga reta, com sacadas de ferro entaladas, bandeiras de vidro e folhas de abrir em grandes vidros (3 de cada lado). Nas extremidades haviam duas janelas, sem sacadas com o mesmo tratamento de vidraça.

O telhado, com telhas francesas, em duas águas formava uma empena frontal, contornado por faixa e centrada por janelinha vedada por adufas. Os beirais laterais eram ornados com lambrequins e nos cantos tinha uma espécie de flecha, de influência das estações de trem. Haviam duas entradas laterais, uma de cada lado que se faziam por escadas de pedra e amplo patamar de pedra azul, cujas lajes estão hoje no piso do pátio do chafariz. Uma grade ferro servia de guarda corpo da escada e do patamar. As duas portas laterais davam acesso a dois vestíbulos que antecediam o salão que correspondia as três sacadas, onde certamente estavam os quatro sofás e cadeiras, cantoneiras, mesa e o piano com estante de música.

Para as laterais ficavam os quartos e um corredor envidraçado dava acesso aos quartos e a cozinha, no canto posterior à esquerda e no fundo também ficava ampla sala de jantar. A casa segundo informações de D. Eliza Silveira tinha 14 cômodos.

O porão alto não só dava ventilação ao assoalho estreito de tábuas de pinho de riga, mas dava imponência a casa. Os forros eram de “lambris” em mosaicos decorados. Ultimamente o chalé era pintado de amarelo, com cunhais e faixas brancos o que certamente aproximava da pintura original. Os cômodos tinham as paredes revestidas de papel de parede decorado, em desenhos e cores diferentes para cada cômodo. É interessante notar que o tratamento dos cunhais do embasamento de pedra, no tipo almofada é muito semelhante ao tratamento dado as cantarias das estações férreas dessa época.

Na parte da frente da casa havia um amplo jardim, com altas guapuruvus, arecas e margaridas. Por trás, quintal de arvores frutíferas. Após a morte do Barão de Santa Maria, em 1894, e o inventário de 1986, é possível que a Baronesa Rosa tenha ido definitivamente para o Rio de Janeiro, mas o imóvel continuou com os herdeiros, passando depois para o Senhor José Thobias, cujos herdeiros o venderam na década de 1980 a Davi Silveira (Lilito). Foi nessa época, por volta de 1981 que o Lilito Silveira vendeu a construção para a demolição e utilização do material em um condomínio em Nova Lima. Os Compradores foram Carlos Eduardo e Carlos Fernando de Castro Oliveira, que depois mudaram-se para Tiradentes abrindo o restaurante Teatro da Vila, onde havia um fragmento da decoração do beiral do chalé. Foi intermediário na venda do material de demolição o Francisco Araújo Lourenço, o Chiquinho do Bar.

Como parte dos alicerces, as escadas e patamares ficaram no locam, foram comprados os dois patamares de pedra azul, em 1982, para compor o calçamento do pátio do chafariz de São José, quando foi feito o agenciamento do largo através do projeto de Roberto Burle Marx. O cimentado feito em 1915 foi retirado aparecendo o pé-de-moleque que foi substituído por lajes de sobras retirados de ruínas da cidade.

As ruínas que sobreviveram no local consta de quatro alicerces de pedra das paredes mestras; do embasamento alto de pedra, com os cantos aparelhados da fachada principal; de duas hoje rampas paralelas as fundações laterais onde haviam as duas escadas e os dois patamares, cujas pedras aparelhadas foram retiradas. Os pilares de pedras que sustentavam o barroteamento do assoalho alteado; vestígios da escada que descia para o pátio interno e restos de lajotas de cerâmica de 30x30cm que revestiam o piso do jardim de inverno.





A Estrada de Ferro Oeste de Minas foi construída entre 1880 e 1881, sendo inaugurada pelo imperador D. Pedro II, em 28 de agosto daquele ano, e data certamente dessa época a instalação de uma caixa d’água de ferro apoiada sobre oito pilares de trilhos de ferro que seria para abastecer a locomotiva de água dois dos telhados tem a data de 1895. A caixa d’água ficava entre a Estação de Prados e a de Tiradentes e junto a ela, foi construído em “pé de estubo” ou pequena plataforma de pedras e cimento onde os viajantes embarcavam no trem. Por trás da plataforma existia um cômodo em retângulo que era usado como armazém para guardar as mercadorias chegadas e embarcadas no trem. Com o passar do tempo a Fazenda da Esperança perdeu sua importância até a casa ser demolida e o local passar a ser conhecido como “Caixa d’Água da Esperança” no que até hoje. A parada do trem era exatamente em frente a Fazenda da Esperança, o que deve ter sido desejo do Barão de Santa Maria.



Aliás o casal de barões além do mobiliário já descrito existente na casa tinha ainda no terreno dois cavalos, uma besta, dois burros, nove porcos, 28 garrotes e bezerros, trinta e cinco vacas, um touro e seis bois de carros com os nomes de “Marmelo, Florão, Mariocano, Morro Grande, Laranjo e Figurão”; quarenta carneiros. As vacas tinham nomes curioso como: Mimosa, Facena, Caracu ou Letrada. Ainda tinham dois carros de bois, uma carroça de bois e duas carroças de burros.


 


A imagem pode conter: céu, nuvem, trem e atividades ao ar livre
Fotografia de 1976 encontrada na página pessoal de Renan Marinho Oliveira


No povoado da Caixa d’Água existe ainda a casa de fazenda de David Silveira, construída em estilo eclético, com planta em L, cobertura em telha francesa com beirais decorados com lambrequins. A fachada principal apresenta frontão ou empena triangular com dois óculos em losango e medalhão circular com as iniciais DS (David Silveira). Os vãos da fachada são distribuídos regularmente com porta central e duas janelas de cada lado, com caixilharia de guilhotina e apresentando sobrevergas de massa. Há ou havia, em 2001, uma mesa de jantar em madeira escura com seis pés torneados e canelados, sobre rodízios de meta, saia e aba reta, tampo liso, com bordas molduradas e cantos arredondados. A mesa tem dispositivo para aumenta, e é conhecida como mesa elástica, datável do século XIX, medindo 23cm de altura x 127cm de largura e 242cm de comprimento. Segundo as informações dos proprietários a mesa pertenceu ao chalé do Barão de Santa Maria e foi adquirida por D. Derlinda Augusta Silveira do Sr. José Tobias, proprietário da casa após os barões. Seria a mesa de jantar descrita no inventario de 1896 “uma mesa de jantar avaliada em cinquenta mil reis”.






                       


E mister lembrar que segundo informações orais no chalé também funcionava uma escola rural ministrada por D. Rosa do Seu Zequita que ainda usa lousa para as crianças escreverem, segundo D. Elza Silveira que foi aluna dessa escola.

É interessante lembrar que existia no povoado da Caixa d’Água do Alambique de Juca do Lino (José Pedro do Nascimento) que produz aguardente comercializado na região. Houve ainda o alambique de Neca Paixão cuja pinga era considerada de excelente quantidade.



Casa do Lino Franco



A casa que do Lino Franco do Nascimento, construída no início do século XX, é belo exemplar que ainda se mantém integro, com pinturas de forma ou máscara essa barra junto aos forros e no lugar do chuveiro, imitando azulejos azuis e brancos.




Casa do Lino Franco

D. Elza, filha Lino Franco, na casa onde nasceu 




Havia, segundo informações uma casa mais antiga que foi de Lino Franco do Nascimento (1897-1971), que atualmente sobrou pequena parte de adobe. Na frente ainda existe um embasamento que contém um “terreno” onde eram secados os cereais (arroz, feijão, etc) e foi nesta casa que existiu uma “Ermida” onde foi o casamento de uma das filhas da família.







A Caixa d’Água ainda pode ser admirada pela vida rural com criação de porcos, galinhas, cachaças e a produção de “quitandas”, como biscoitos de nata, quebra-quebra e doces típicos em compota que são comercializados, além de excelente mel. Várias casas fazem parte da “Rota do Sabor”, criada pelo prefeito.



Junto a antiga fazenda de David Silveira ainda se pode ver os típicos paióis elevados e um moinho de fubá, movido a água, hoje ficando cada vez mais raros.




A Caixa d’Água e o Chalé da Baronesa

Estrada da Caixa D'água, antigo leito da Estrada de Ferro, com a Capela de N. Fátima, construída no final do séc. XX essa e as demai...