quarta-feira, 13 de março de 2019

Pontes, Pinguelas e Bueiros em Tiradentes, Séculos XVIII a XXI

A notícia mais antiga que se tem de construção de ponte é, certamente, sobre a ponte do “Porto Real”, sobre o Rio das Mortes no lugar do mesmo nome, hoje na divisa entre Santa Cruz de Minas e São João del Rei.

Desde os fins do século XVII, quando Thomé Portes Del Rei se estabeleceu às margens do Rio das Mortes, passou a explorar a passagem do rio por canoas, pois grande era o movimento dos transeuntes que vinha do Rio de Janeiro, São Paulo e Taubaté pelo Caminho Velho e necessitava atravessar o Rio das Mortes para seguir em direção às minas de Ouro Preto e Sabará. A travessia em canoas se manteve assim até 1735, quando a ponte ficou pronta.

Já no ano de 1730, em 11 de julho, a câmara de São João del Rei escreve ao Rei D. João V pedindo a construção de uma ponte entre as vilas de São João e São José del Rei. Somente em 1735, como dito, ficou concluída a ponte construída por Marçal Casado Rotier. Na obra, Marçal gastou a alta quantia de três mil cruzados e passou a cobrar pedágio dos transeuntes “porque pôs uma ponte a sua custa, da qual ele cobrava vinte reis por pessoa e quarenta por cavalo; como também se pagava de passagem à Fazenda Real oitenta reis por pessoa e cento e sessenta por cavalo...”

Já em 5 de julho de 1736, as câmaras de São João e São José del Rei convocam a população para contribuírem com dinheiro para o resgate da ponte. Levantou-se 1.500 oitavas de ouro entre os povos (cerca de cinco quilos e meio de ouro). É curioso notar que o futuro padrinho do Tiradentes, Sebastião Ferreira Leitão contribuiu com 2 oitavas de ouro. Finalmente, em 1737, as câmaras pagam à Marçal Casado Rotier o “preço por que foi avaliada a ponte sobre o Rio das Mortes”, oitocentas oitavas de ouro. Era de se esperar que o povo ficasse livre do pedágio, mas não, se continuou a pagar o pedágio à Fazenda Real.

Marçal Casado Rotier era um rico minerador que nasceu em Lisboa, filho de pai português e mãe francesa, emigrou para o Brasil e morreu na sua fazenda, do Córrego, em 1767, cuja casa ainda existe em Santa Cruz de Minas, à margem da Estrada Velha. Marçal, além da mineração ouro, foi sócio em extração de diamante e em outros negócios. Foi vereador da Câmara de São João del Rei em 1719, provedor da Irmandade do Santíssimo Sacramento de S. José del Rei (Tiradentes) na década de 1740 e muito contribuiu para a construção e decoração da Matriz de São Antônio. Foi ainda arrematante dos dízimos na comarca do Rio das Mortes no triênio 1725-1728, entre outras atividades lucrativas.

Sua grande propriedade, passada de herança aos sobrinhos, porque não se casou e não tinha filhos, abrangia toda a várzea junto do Rio das Mortes, conhecida como Várzea do Marçal e, depois, Colônia do Marçal, por ter sido instalada em suas terras a colônia de italianos em 1888/89. As terras de Marçal ainda foram cogitadas para a implantação da capital mineira em 1894, preterida por Curral del Rei por razões políticas.

A ponte em si era um tanto estreita para os padrões de hoje, mas larga o suficiente à época. Todos os esteios de grandes dimensões eram de aroeira do sertão e braúna, e o tabuleiro de largos pranchões de madeira de lei. Originalmente, ela foi coberta com telhado de telhas canal para proteger o madeirame, telhado esse que sobreviveu até meados do século XIX. Ultimamente, ela tinha um corrimão ou guarda-corpo em x e duas fileiras de pranchões no sentido longitudinal para passar as rodas dos automóveis. Nós a vimos e usamos já totalmente danificada. Quando ainda havia a “jardineira” do Sr. Lourenço Firmino Campos, que fazia a linha Tiradentes/SJDR, o veículo parava antes da ponte, os passageiros desciam e a atravessavam a pé, e reembarcavam na outra margem por medo da jardineira cair nos inúmeros buracos e tábuas podres. O Chiquinho do Lourenço ia sozinho dirigindo a jardineira para atravessar a pavorosa ponte.




as três fotografias são do acervo de Osni Pa



Em oito de março de 1738, os representantes das câmaras de São João e São José del Rei fazem uma vistoria na ponte, acompanhados do mestre Carapina Manoel Ramalho para ver se a obra estava de boa qualidade. 

Em 1742 e 1743, são feitas vistorias na referida ponte, o que se repetirá anualmente durante o período colonial. Em 1743, a ponte passou por manutenção feita por Matheus dos Santos, mestre carpinteiro que cobrou noventa e cinco oitavas (95/as) divididas entre as câmaras das duas vilas. 

No ano seguinte, 1744, a câmara de São João del Rei escreveu ao governador das Minas, em 17 de outubro, pedindo para “serem relevados estes povos do pagamento das passagens da ponte que ficava entre as duas vilas”. Informa ainda que o povo contribuiu com 1500 oitavas de ouro pagas a Marçal Casado Rothier para resgatar a ponte por ele construída. Parece que o governo fez ouvido de mercador e continuou cobrando o pedágio até o século XIX.

Em 1745 é feita a vistoria de costume e, em 24 de janeiro de 1748, os vereadores, após vistoria, deliberaram pôr em praça o conserto da ponte. 

Também em 11 de agosto de 1751 nova vistoria indica consertos e, em 16 de abril de 1754, a câmara de São João del Rei requer a sua majestade o rei de Portugal, D. José I, a dispensa do pagamento do pedágio na ponte, o que não é atendido. Como todos os anos, em 1792 a vistoria conjunta na ponte foi marcada para 7 de março. Em 1877, a velha ponte passou por reformas como noticiou a imprensa de São João del Rei. Outra notícia dá conta que “o governo pôs em hasta pública... os consertos da ponte do Porto, sobre o Rio das Mortes, nesta cidade, orçados em ‘11:020$645’reis”, conforme o “Resistente”, em 24 de maio de 1896, edição número 54. Novamente, em 1916, a ponte passa por obras, como noticia o jornal “Zinho” de 20 de fevereiro, assim como em 1920.


resquício de madeira da ponte antiga, ainda estacada no rio


              
 aspectos atuais da ponte nova


Quando assume a prefeitura de Tiradentes por nomeação de Aureliano Chaves, o prefeito Josafá Pereira Filho, funcionário do DER, providenciou a construção de uma ponte que começou em maio de 1977, sob a supervisão da CODEURB, no valor de três milhões de cruzeiros, sendo 70% do Estado, 20% de São João del Rei e 10% de Tiradentes. O projeto foi de autoria de Fernando de Castro Santos, com 86 metros de cumprimento e duas pistas com 4 metros e meio de largura, com passagem de pedestres em uma lateral. Em 2004 foi feita uma passarela de pedestres em balanço em um lado e, posteriormente, no outro lado.

Durante todo o século XIX e primeira metade do século XX, foi sempre preocupação das municipalidades a manutenção da ponte do Porto, até a construção da ponte do Bezerrão, ficando a velha abandonada até 1976, quando foi demolida para dar lugar a uma ponte de concreto armado, construída, como dito, na administração do prefeito Josafá Pereira Filho (1976-1982). Os restos da velha ponte permaneceram durante muito tempo em lote na esquina da Rua Da Praia com a do Chafariz, até o total desaparecimento. O último vestígio era uma pinguela de dois paus de aroeira na prainha até 1989, quando se fez a ponte ligando a prainha ao Chafariz. 

Em 1828, o reverendo Robert Walsh assim descreve a ponte: “uma hora depois aproximadamente chegamos a ponte do Rio das Mortes. Consiste numa decrépita estrutura de madeira, com piso de cascalho e uma coberta com um telhado em toda a sua extensão. O pedágio cobrado era exorbitante, considerando-se o lugar – uma pataca – por homem a cavalo. O rio ali tinha cerca de sessenta metros de largura; suas águas se mostravam sujas cor causa do barro vermelho mantido em suspensão devido o cascalho lançado nelas durante o processo de extração do ouro” (Notícias do Brasil, 1828-1829; BH/Itatiaia, SP/Edusp, 1985, vol. II, p. 73). Por essa citação, vê-se que ainda existia o telhado sobre a ponte que em 1868 Sir. Richard Burton diz ainda existir: “seguimos o caminho pelo Vale do Rio das Mortes Grande. As águas do rio estavam sujas, possivelmente em consequência das lavagens de ouro e a Ponte de Santiago (sic) permanecia como fora descrita há trinta anos, uma desconjunturada estrutura de madeira velha, com um telhado e uma passagem encascalhada para pedestres, com sessenta metros de comprimento. As autoridades locais a tinham comprado recentemente por L600 e ela corre todos os riscos da ruína; esses instrumentos da civilização deveriam, na presente época do Brasil, ser arrendadas a empresas, mediante a obrigação de cobrar pedágios moderados e fazer os reparos necessários, regularmente” (Sir Richard Burton, “Viagem do Rio de Janeiro ao Morro Velho – 1869, São Paulo/Itatiaia, São Paulo: Edusp, 1976, p. 129-130).

Em 1894, o jornalista e escritor Carlos Laet encontra a ponte com a certeza já sem a cobertura: “adiante de Matozinhos logramos divisá-lo (o rio) no lugar denominado Porto. Já farto de águas se mostra o rio, atravessado por extensa ponte, toda de aroeira do sertão e uma das maiores da comarca” (Em Minas de Carlos Laet, Rio de Janeiro, Cunha e Irmão Editores, 1894, p. 37).

Como era costume, todas as pontes originalmente eram construídas em madeira, tanto na área urbana como nas estradas vicinais do município. Era sempre uma grande preocupação e despesa da câmara, uma vez que as cheias costumavam levar as pontes. Muito citadas no século XIX eram as pontes de Bárbara Ferreira e do Caranday, ambas em locais hoje não identificados. 

Dentro do perímetro urbano da Vila, vamos encontrar duas pontes pequenas construídas de madeira, com os paredões ou pegões de alvenaria de pedra: a ponte do chafariz, sobre o córrego do Pacu, estreita, com guarda-corpo em x de caibros assim como a de acesso ao matadouro. A primeira construída no século XVIII e a segunda por volta de 1737. A ponte do chafariz na segunda administração de Francisco Barbosa Júnior foi substituída por ponte de concreto com guarda corpo em gradil de ferro, semelhante ao de sacadas. Na década de 1980 a ponte foi alargada e construída uma mureta de pedra, retirada das ruínas do sobrado de João Carlos Nascimento, na Rua Resende Costa, hoje pouso Vovô Chiquinho.




A ponte do Matadouro, no meu tempo de criança, era sempre precária e na administração de Luiz José da Fonseca (1972-1976) foi substituída por ponte de concreto que foi alargada na época da construção da rodoviária, por volta de 1984.

Há referências a consertos nas pontes do chafariz e do matadouro durante todo o século XIX. Em 16 de janeiro de 1840 é pago a Manoel Caetano oito mil reis relativos a conserto na “ponte que vai para o curral público desta vila”. Em 1847 Francisco Alves da Silva recebe oito mil reis “da factura da ponte do Curral”. Quanto a ponte do Chafariz, em 1852, José Joaquim de Santana recebe dois mil e oitocentos reis (2$800) de mão de obra na construção da “ponte do Chafariz pelo tempo de sete dias a 400rs...”. Além do carpinteiro Santana, trabalharam Francisco Theodorio dos Reis e José Rufino. Geraldo Alves da Silva vendeu 12 vigas de madeira por quarenta e oi mil reis para “a factura da ponte do xafariz da mesma vila”.

Em 1859 o pedreiro Valentim Antônio de Ramos faz o serviço de “conserto e reparo do paredão de pedra da ponte que vai para o chafariz”, juntamente com José Antonio do Nascimento, José Amâncio, Joaquim dos Santos, Antônio Joaquim, tendo gastado sete carradas de pedra, ficando a despesa em 86$480 (oitenta e seis mil quatrocentos e oitenta reis).

Em 1862 o fiscal Policarpo Laureano da Rocha Maciel propõe “conserto da ponte do Chafariz que se acha em estado de completa ruína...”. Ainda em 1852, José Joaquim de Santana e outros dois oficiais trabalharam 8 dias na “factura da ponte do Chafariz, tendo sido comprada a madeira a Geraldo Alves da Silva constando de 12 vigas de madeira”.

É nessa época (1865) que João Faustino dos Santos solicita autorização para construir um açude no Ribeiro de Santo Antônio para levar água a um moinho que queria instalar na prainha. O referido açude sobreviveu até anos recentes no local acima do restaurante “Viradas do Largo”, onde muitos de nós aprendemos a nadar nas águas barrentas.

Não sabemos se teve efeito o ofício do presidente da Província de Minas Gerais, Pedro de Alcântara Cerqueira Leite, comunicando que a lei 1.184, artigo 11, título 2°, autorizava a desapropriação da ponte sobre o Rio das Mortes Grande que deveria ser avaliada. Será que se trata da Ponte do Porto Real?

Voltando a ponte do Chafariz, ainda há em 1837 documentação referente a seu conserto, incluindo 8 barrotes de 24 palmos de comprimento e 1 de quadro de grossura; 2 peitoris de 24 palmos e 1 em quadro dito; 6 pés direitos de 6 palmos de comprido e um palmo em quadro, cujas madeiras eram de jacarandá, subrasil, peroba, canela preta ou ipê “e que depois de feita a ponte” será aterrada com cascalho.

Em 1852 aparece pagamento a tinta e secante, para “olear a ponte” o que indica que pelo menos o guarda-corpo era pintado naquela época. No mesmo ano, novamente é feita a obra no paredão da ponte do chafariz sendo responsável pela obra o pedreiro Valentim Antônio de Ramos, tendo gasto 20 dias e cobrado 56 mil e cento e vinte reis. Já em 1856 Antônio Balbino da Costa recebe 13 mil reis a conta de madeira e mão de obra para “a factura e reparo da ponte que segue desta vila ao chafariz...” Em 1859 Valentim Antonio de Ramos faz novo conserto no “paredão da ponte que segue para o chafariz” por trinta e nove mil reis.

Quanto a ponte do matadouro, encontramos um curioso documento-indicação do vereador Pe. Laureano Antônio do Sacramento, na sessão da câmara de 31 de agosto de 1840. Diz ele “entra esta vila e a cappela de S. Francisco de Paula da mesma passa um Ribeiro em que transitam muitos habitantes, e sendo-me necessário dizer missa na dita capela, e como pároco administrar os sacramentos aos ditos habitantes tenho me visto por muitas vezes, muito principalmente em tempos d’águas, em perigo de cair no Ribeiro passando em umas pedrinhas, que nele existem por faltar a ponte que nesse lugar outro tempo houve... e por isso indico a esta câmara a necessidade da construção desta ponte”. Fica claro pelo documento acima transcrito que a ponte do matadouro havia caído e não foi reconstruída, passando as pessoas no leito do ribeiro, pulando “pedrinhas”, para não dar volta na ponte de pedra que fica mais longe. O vigário Pe. Laureano certamente foi atendido pois a ponte foi reconstruída e lá se manteve em madeira até 1972 ou 1973.





               







Outra pequena ponte que hoje passa despercebida é a que atravessa a Estrada Velha São João del Rei/Tiradentes, conduzindo a água da Cachoeira Bom Despacho. Essa pontezinha foi feita em 1840 por Francisco da Silva Miranda, o mestre empreiteiro que construiu o prédio da nova cadeia (1836-1845) e por ela se pagou 861 mil 940 réis junto com a ponte “ao pé da casa do finado Padre Manoel Martins...”

   
pequena ponte situada na Cachoeira do Bom Despacho


Ainda dentro da Vila, podia-se ver a bela ponte de pedras ou ponte das Fôrras. Há indícios documentais que a ponte da chamada Rua das Forras foi construída no início do século XIX e que o Sargento-mór João Antônio de Campos possa ter administrado a obra. Em 1807 aparecem pagamentos de diárias a negros por serviços prestados e compra de cal a João Antônio, já referido. Em 1829 a Câmara promove “conserto da Ponte da Rua das Forras”. No ano seguinte, 1830, o vereador Santos Viana ainda indica a precisão das obras “pela necessidade e muitas águas que têm caído”.

Edgar Cerqueira Falcão, 1943


Ainda em 1830 o Juiz de Paz Manoel Pereira depois propõe a câmara conserto da ponte com uma “caixa” de 20 palmos sobre ela e um talhamar, no lugar do antigo que o rio havia levado. O talhamar parece que só foi construído em 1840, quando Manoel Caetano recebe nove mil e oitocentos reis (9$800) “de pedras, madeiras, e feitio de um talhamar na ponte de pedra desta vila...” Neste mesmo ano é proposto pelo vereador Silva Lima calçar a ponte e fazer uma estacada no leito do ribeiro abaixo da ponte para segurar as areias e evitar descobrir os alicerces. Esta estacada durou até poucos anos atrás e cumpriu sua função. A sua retirada vem provocando o descalçamento dos alicerces. Não se mira no exemplo da experiência dos antigos... Em 1846, Valentim Antônio de Ramos faz novos concertos na ponte e constrói os paredões das margens e faz o aterro. Em 1852 são colocados os “frades” de pedra na ponte, lavrados por Claudiano Antônio do Cabo e em 1856 o mesmo promove novos reparos na ponte. A prefeitura fazia sempre a conservação do equipamento urbano que hoje encontra-se abandonado.

Regina Paolucci Ramalho, óleo sobre tela, 1945. Acerco Alice Ramalho Conceição

Em 1967, com o asfaltamento da Rua Henrique Dinis, foi jogado asfalto sobre a calçada de acesso à ponte, só retirado em 1984. Há marcas de colisão de automóveis no guarda-corpo da ponte, chegando uma pedra a cair dentro do Ribeiro. A obra de canalização do esgoto feito pela Copasa fez uma péssima intervenção de concreto descaracterizante por baixo, junto as arcadas da ponte. O grande fluxo de veículos vem danificando e desgastando sobremaneira as pedras do calçamento sobre a ponte.




A “Ponte das Forras” segue a tradição europeia de construção de pontes em arcadas de volta inteira, a maneira das construções do império romano, há dois mil anos atrás. Consta ela de duas arcadas de volta inteira ou como uma abóboda de berço, com o pilar central no meio do ribeiro e dois laterais nas margens. A ponte é bastante elevada em relação à rua e sobe a ela por rampas calçadas de pés de moleque em aterro contido por paredões de pedra inclinados. O tabuleiro da ponte é reto e calçado em pé de moleque. O guarda corpo é feito de cantaria em duas muretas que viram para os lados tendo nos cantos uma pedra do tipo cabeça de frade. Hoje com a retirada do represamento do ribeiro feito em estacado de madeira, os alicerces estão à mostra e escalavrados, colocando em risco o monumento, assim como o trânsito intenso de veículos, que vem causando desgastes grandes nas pedras do piso. Para o lado de cima, foi feito em talhamar de pedra para dividir as águas, e não forçar a ponte, este datado de 1840 em substituição de outro que a água levou. Dos dois lados da ponte saem três paredes de pedra e cal, sendo por um lado maior, obra também de 1840. A visão da ponte ficou muito prejudicada com a doação pela prefeitura nos anos de 1930 do terreno do Largo das Forras, junto ao ribeiro e nos anos 1960/70 do lado contrário na praça das Mercês, com construção de casa que invadiu o arrimo da ponte. A implantação da tubulação de água em 1980 pela Copasa e de energia elétrica em 1984 pela Cemig, sobre o talhamar e colada na cantaria da ponte descaracterizou o monumento histórico e cultural. Ultimamente a construção de um emissário de esgoto aparente, pela Copasa, interferiu de maneira negativa nas bases da ponte. Há algum tempo, duas balizadoras de concreto reduzem a largura para a não passagem de caminhões e ônibus.


   
   


Ainda dentro da cidade vamos encontrar a ponte “Arthur Napoleão” construída sobre o Ribeiro Santo Antônio, ligando o beco do Bom Jesus à antiga Rua do Areão (hoje Inconfidentes), próxima ao açougue de José Barbosa e descendentes, e por isso as vezes conhecida como ponte do Joaquim Barbosa. Em lugar de uma pinguela de pedestre, a ponte foi construída em concreto armado em 1926, sendo presidente da Câmara e Agente Executivo o Coronel Arthur Napoleão de Souza, chefe político originário do distrito de Barroso, hoje cidade. Ponte simples com tabuleiro reto, guarda corpo em balaustrada de cimento vazada, hoje substituída por vigas horizontais descaracterizantes. Tem os quatro arranques em grandes volutas de cimento que servem de acento. Seria interessante restaurar o guarda-corpo como o original. A laje do piso foi substituída na administração de Élvio Garcia.


           









Em fotografia datada de 1927, de João Batista Ramalho, ainda em negativo de vidro, cujo original guardamos, vê-se a ponte com seu guarda corpo original, pessoas posando para a foto, parte da casa de Mariinha do Nico e a cena bucólica de dois patinhos deslizando no espelho d’água do Ribeiro de Santo Antônio, com a Serra de São José ao fundo. 




foto aérea, década de 1970, vendo-se, na parte inferior, a Ponte do Rio das Mortes

A ponte sobre o Rio das Mortes que liga a cidade à Estação da EFOM e à Várzea de Baixo, originalmente era conhecida como ponte do Cuiabá, uma vez que toda a barranca do rio, desde a ponte até os condes, era conhecida pelo nome de Cuiabá e, consequentemente, assim também era conhecida a antiga estrada para o Bichinho e Prados, hoje Cuiabá de Baixo ou Velho. O que hoje se chama de Cuiabá de Cima é uma extensão da estrada nova (de automóvel) aberta para o Bichinho no início do século XX (atual Rua Alvarenga Peixoto). Portanto, a ponte do Cuiabá já existia de longa data, possivelmente de fins do século XVIII, construída em madeira, com dois paredões de pedra. Na antiga foto da ponte pode-se ver ainda um dos paredões junto a ponte de concreto.



fotografia João Batista Ramalho, 1927, vendo-se à esquerda
o pilar de pedra da antiga ponte de madeira

Em 1925, na administração de Arthur Napoleão, o estrado de Minas Gerais construiu uma nova ponte de concreto, que levou o nome do então presidente de Minas, Fernando Melo Viana. A ponte do Rio das Mortes parece ter seguido um projeto padrão para o estado, uma vez que existiam pontes semelhantes, constando de dois pilares ou paredões ciclópicos de pedra e massa de cimento, com um pilar central também largo em pedra e argamassa. Sobre eles apoiava um tabuleiro em laje de concreto com emenda central. As proteções laterais eram dois enormes arcos apoiados em pilastras inclinadas de secção quadrada, formando uma espécie de V.



Nas duas entradas da ponte havia nos lados uma mureta baixa, onde as pessoas se assentavam, já fora do leito do rio. Ao centro da ponte havia dois pilares de secção quadrada sobre o embasamento de onde saiam dois postes com luminárias, que após a instalação da Cemig em 1963 ficaram sem lâmpada. Haviam três placas de inauguração, duas na área central e uma na mureta do lado da Copasa. Duas placas foram doadas pela prefeitura ao IHG de Tiradentes e se encontram no sobrado Ramalho, a terceira desapareceu. O fato curioso é que esta ponte, ainda nova, teve problemas estruturais, pois teve que passar por reforço em 1929/1930, voltando a ser utilizada uma ponte de madeira.


              


A ponte do rio ficou no imaginário da população mais velha da cidade, seja pelo medo das crianças e mães em atravessá-la, seja pela rapaziada que lá ia nadar e pular do “arco” da ponte, seja pelos suicídios ou tentativas de suicídios, seja pelos que iam pescar sobre a ponte, seja pelos que pegavam com um gancho a lenha que descia no rio durante as enchentes ou pelo temerário descer o arco de bicicleta (um segurava a bicicleta no centro do arco, outro esperava na ponta da ponte e o corajoso montava e descia).

A ponte tinha a pista estreita para apenas um carro e colocada meio oblíqua em relação a rua. As duas entradas da ponte aterradas eram calçadas com paralelepípedo e em 1967 foram cobertos por asfalto. Essa ponte sobreviveu por muitos anos já em situação precária (chegou-se a colocar um remendo na pista com chapa de ferro). Poucos meses antes de cair, vimos por baixo a ferragem exposta e enferrujada. 




A ponte caiu em parte nas vésperas do carnaval, no dia 7 de fevereiro de 1997, uma quinta-feira. Lembro-me de estar no Bloco das Domésticas em São João del Rei e vir de taxi e não encontrar a ponte para atravessar, pois a metade do tabuleiro tinha caído. Tivemos que voltar e passar pela estrada velha, sem pavimentação. Durante o resto da noite e todo o dia foi uma romaria para ver a ponte caída. Num primeiro momento os soldados do quartel de Itajubá fizeram uma ponte flutuante de barcos que muito balançava. Só se passava a pé. O ônibus ficava na praça da Estação e os passageiros completavam o percurso a pé. Logo depois, a prefeitura construiu uma ponte provisória, de madeira, na qual passavam passageiros e automóveis, e providenciou-se a construção de nova ponte com pilares de concreto ciclópico e vigas de aço com plataformas de concreto e guarda corpo metálico, com alargamento ao centro para colocar bancos (que nunca foram colocados) e dois postes com lâmpadas muito diferentes do projeto original. Infelizmente, os pilares originais e todo o concreto da ponte foram jogados no rio e não retirados, entupindo o leito e tornando impossível nadar no local ou pular da ponte. 


Nos dias que a ponte caiu as adutoras da Copasa se romperam e além da ponte ficamos sem água. Tive que brigar para o carro pipa encher a minha casa, porque só queriam atender a hotéis e pousadas. A população que se danasse. A nova ponte começou a ser construída em abril de 1997 e foi concluída e inaugurada em 3 de outubro do mesmo ano - agora não mais com o nome do governador, Melo Viana, e sim com o nome do pai do prefeito da época, que nada tinha a ver com a ponte: Venerando Garcia.





No bairro do Cuiabá, Rua Joaquim Ramalho, há uma ponte próximo ao local da casa de Zé Lourenço (José Inácio Veloso) construída pelo próprio, contratado que foi pelo então prefeito Augusto Cruz Baena e Paiva (1959-1963). Era muito simples, estreita e com guarda corpo em tubos. Em época recente, foi refeita mais larga e com guarda corpo em parede cega.





Ligando Prainha, Cascalho e Chafariz havia sobre o Ribeiro Santo Antônio apenas uma “pinguela” de tronco de coqueiro e depois foram colocadas duas vigas de aroeira do sertão retiradas da ponte do Porto, demolida em 1977. Na administração Nivaldo de Andrade (1989-1991) foi construída uma pequena ponte pelos irmãos Vianini em dois manilhões e guarda corpo de pedra, que foi levado pela força da água. Existiu uma “pinguela” de pedestre que atravessava o Ribeiro de Santo Antônio entre a Prainha e a praia que servia a quem descia do Alto do São Francisco e Prainha e ia em direção à Rua Direita e Centro.

cerca de 1921, vista panorâmica do Alto do São Francisco, detalhe
da pinguela ao lado direito, na parte inferior   


1943, vista panorâmica, Edgar Cerqueira Falcão,
detalha da pinguela na parte inferior, à direita

Durante o século XIX muitos bueiros ou passagem d’água foram feitos pela cidade. Alguns sobreviveram enterrados, como o construído na década de 1830, atravessando a Rua Direita, começando no passo e saindo do lado da Cadeia. É obra muito bem feita, toda de pedra aparelhada de secção quadrada. Quando se reformou o Largo do Rosário, tampou a sua entrada e hoje não sei o que houve com a saída, uma vez que foi feito um buraco por trás da antiga Cadeia. Quando éramos crianças, atravessávamos esta galeria como forma de brincar. 




   
saída da galeria de água pluvial do lado da antiga cadeia



Ainda na Rua Direita, há outra galeria de pedra em frente à casa número 36 saindo junto ao Aimorés. No início da Rua Resende Costa, próximo ao prédio da prefeitura (Casa de Joaquim Fonseca) uma galeria de pedra atravessa a rua e era aberta até o ribeiro, hoje canalizada e coberta. Essa galeria conduz a água que desce do poço da Matriz, segue pelo beco abaixo, entra no terreno de Celso Nucci, atravessa o beco da pedreira pela pontezinha, entra no terreno de Maria José Moura (antigo Ladico) e passa sob a loja do Zenildo. Isso foi construído em 1806.

Na antiga Rua do Areão que saía da ponte de pedra e seguia a margem do Ribeiro, trecho hoje com o nome de Henrique Diniz, continuava no sentido do Bichinho e Prados, até perder o nome quando virava Cuiabá (hoje Rua dos Inconfidentes e Antônio Teixeira de Carvalho) foram feitos no século XIX pelo menos três “esgotos” ou bueiros de pedra, sendo o maior entre o Abrigo Tiradentes, nossa casa e o quintal do Eros Conceição. Essa pequena ponte, hoje disfarçada sob o asfalto, tem as laterais de pedra e cal e era coberta com grandes lajes. No início do século XX ela foi alargada com concreto. Na administração de Élvio Garcia a cobertura de pedra foi retirada e feita uma laje de concreto. Algumas pedras estão no chafariz, na ponte de pedra e uma na minha porta. Os outros dois esgotos/bueiros estão também disfarçados pelo asfalto colocado em 1967. Um está entre a casa de Nilber Barbosa e o Abrigo Tiradentes e o outro sob a loja “Macenaria”, de Vanilce Barbosa, e passa sob a Escola Estadual Basílio da Gama. Aliás, esse teve a cobertura de pedra retirada no ano passado e colocado cimento.

A rua era chamada “Areão” evidentemente porque não era calçada e por causa das chuvas as águas do Ribeiro carreava a areia para a pista. Eu ainda me lembro bem dela coberta de cascalho, com as laterais mais largas e gramadas. 

Não poderíamos nos esquecer dos muitos pontilhões que haviam no antigo leito da Estrada de Ferro Oeste de Minas. Para os lados da Caixa D’água da Esperança quase todos foram destruídos e as belas pedras lavradas desviadas para particulares, pois não há uma em local público da cidade. Onde ainda existe a estrada entre Tiradentes e São João del Rei temos ainda pequenos bueiros e pontes, sendo uma muito interessante, próximo a olaria do Zé Lourenço, a que chamamos pontilhão da olaria.


Pontilhão sobre o Rio Elvas, 1976. Foto de John West.


Há outros ainda menores no território de Tiradentes e mais outros no território de São João até a estação. O mais interessante e maior era o pontilhão do Rio Elvas, com três pilares maiores dentro do rio e outros menores na parte seca. Infelizmente, a concessionária Centro Atlântica destruiu o pilar central, mesmo após o tombamento, e as pedras acabaram espalhadas em mãos particulares e foi posto uma estrutura metálica, que nada tem a ver com o original. Sobre os belos pilares de pedra corria a estrutura de ferro e nela se prendiam os dormentes de madeira e sobre eles os trilhos de ferro importados da Inglaterra. No centro dos trilhos foi colocada uma tábua longitudinal para os pedestres passarem. O pontilhão do Elvas era local de passeios antigamente e, para se ir a pé à “Casa de Pedra”, era pela linha do trem. Contava-se na minha família que minha avó, Sinhá, ia para a Fazenda do sogro, Leôncio Wiermmann, com as crianças, quando o trem apontou lá na curva e ela teve que pular com os filhos. A sorte é que já estava na parte seca e mais baixa.


Pontilhão do Elvas antes da demolição dos pilares de pedra, 1998. Foto de Hugo Caramuru.





Fotografia do pontilhão após a intervenção, 2009. Foto de Hugo Caramuru.




Fotos atuais do pontilhão após a reconstrução dos três pilares maiores em concreto substituindo os originais de pedra

Em 1833 as Câmaras de São João del Rei e São José resolveram refazer a ponte sobre o Rio Elvas na estrada que ia para Barbacena e Rio de Janeiro, por “achar-se a dita ponte na divisa desse termo de São José e de Barbacena”. O conselho da Província determinou que se usasse os mil reis de subscrição feita por José Ferreira da Silva e as três câmaras (São João, São José e Barbacena) rateasse entre si o resto, ou seja, 4:800 mil reis, uma vez que o orçamento era de 5:800.


projeto de uma ponte sobre o rio das Mortes, 1833



Foram apresentados um projeto e um orçamento para uma ponte de madeira (óleo, ipê ou jacarandá e peroba). Parece que a ponte foi feita com a cobertura de telhas que era opcional no projeto, pois em 1835é assim referida em 1837 por Cunha Matos.


Para finalizar cumpri-nos citar a ponte sobre o Rio Elvas, construída na divisa entre São João del Rei e Tiradentes, em concreto armado, feita pelo DER em 1967, em ligação da BR 265 a cidade de Tiradentes.

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