segunda-feira, 15 de julho de 2019

A Vila de São José e a cidadania do Tiradentes


Consideramos que a história é uma ciência social e portanto evolui a luz de documentos e principalmente a partir de novas releituras e interpretações dos referidos documentos, do contexto e do pensamento de cada época. Portanto a história pode a qualquer momento ser reinterpretada, ser revisada, ser rescrita, reavaliada por professores, historiadores, intelectuais ou qualquer cidadão cujo pensamento é livre, e a expressão assegurada pelo direito democrático.

Pensamos não ser assunto para ser dirimido em tribunais o registro de um personagem histórico, nascido há 260 anos. Não só porque a documentação eclesiástica não seja determinante para dirimir uma duvida histórica, como porque Joaquim José da Silva Xavier, O Tiradentes, patrono Cívico da nação brasileira esteja acima de uma polêmica de tão pouca importância diante da grandeza, do esplendor, do quilate de um bravo pregador e propagandista das idéias libertárias, contra a opressão do governo colonial português.

Acreditamos que nenhum registro tardio (260 anos) poderá mudar o curso da história ou apagar a dúvida que paira sobre a interpretação documental, ou mesmo atenuar o fogo das vaidades intelectuais numa polêmica estéril.

Mas cumpri-nos discordar da argumentação apresentada pelos ilustres colegas do Instituto Histórico e Geográfico de São João Del Rei no que tange ao território onde se localizava a fazenda ou sítio do Pombal, pertencentes ao casal Domingos da Silva dos Santos e Antônia da Encarnação Xavier, pais de José da Silva Xavier; na paragem chamada São Sebastião do Rio Abaixo, onde havia uma Capela dedicada a este santo, demolida por volta de 1832, onde Joaquim José fora batizado. Todo o território da vasta Comarca do Rio das Mortes certamente pertenceu ao Termo, como se denominava o município no período colonial, a Vila de São João del Rei quando ela foi criada a 8 de dezembro de 1713 até o dia 19 de Janeiro de 1718, quando foi criada a Vila de São José, no Arraial Velho pelo Governador de São Paulo e Minas o Conde de Assumar, D. Pedro de Almeida. Quando se criou a Vila de São José foi desmembrado de São João del Rei todo o território localizado a margem direita do Rio das Mortes, estendendo depois o termo até Congonhas do campo, Borda do Campo (atual Barbacena), Oliveira Pium-i, São Bento do Tamanduá (hoje Itapecerica) até atingir a divisa da Capitania de Goiás. Ainda no dia 28 de janeiro do referido ano de 1718 foi definido o limite entre as vilas de São João e São José, conforme atesta o Auto de Repartição abaixo transcrito do livro primeiro de Acórdãos e Criação da Vila de São José:

“TERMO DA REPARTIÇAM DESTA DESTRITO DA VILLA.”

“Aos tres dias do mes de Fevereiro deste prezente anno de mil setesentos e dezoito annos nesta villa de Sam Joseph nas casas da camara della estando prezente o ouvidor geral desta Comarqua com os officiais da camara della o juiz ordinario o Capitam Manoel Dias Araujo, o capitam Mor Manoel Carvalho Botelho também juiz, os veriadores o capitam Domingos Ramalho de Brito,Manoel da Costa Souza, Constantino Alves de Azevedo e por empedimento do procurador asestiu o Sargento Mor Silvestre Marques da Cunha que para isso pellos ditos officiais da camara foi chamado, e sendo ahy pellos ditos officiais da camara foi dito e Requerido ao dito ouvidor geral que em virtode do despacho da petiçam ao Senhor General lhe nomeace o termo que devia ter esta [villa ] a que visto pello dito ouvidor lhe nomeia por [ termo ] de diviza o Rio das mortes da Banda de ca entrando pello Ribeiram chamado Alves por ser a verdadeira madre do dito Rio das mortes e que os mais eram braços [ do tal ] Rio e que outro sim eram os moradores desta freguezia e estarem em posse...[ desde a primeira criaçam sogeitos a freguezia de Santo Antonio a ] chamavam Arrayal Velho e que asim os moradores da banda do dito rio para ca sejam sogeitos a esta villa, e nesta forma ouve o termo della por divizado e de como os ditos officiais asim o aseitaram e o dito ouvidor assim lho repartio fiz este termo a que asignaram, eu Luiz de Vasconvellos Pessoa Escrivam da Ouvidoria Geral e correicam que o escrevi."
Antº Olivª Leitão
Manoel Dias de Araújo
Mel Carvª Botelho
Manoel da Costa Souza
Constantino Alz de Azvº
Silvestre Marques da Cunha
Domingos Ramalho de Brito

( Livro primeiro de Acórdãos e Criação da Vila de São José,1718 – 1722 – fls 1, 1vo ,, 2, 2vo. – Arquivo do Instituto Histórico e Geográfico de Tiradentes.)

O Rio das Mortes passa portanto a ser o único limite entre as duas vilas, o que irá colocar definitivamente a paragem de São Sebastião do Rio Abaixo e a fazenda do Pombal no termo da Vila de São José.

È verdade que o Senado do câmara de São João del Rei tentou de todas as maneiras não só reduzir o termo de São José, mas representou a coroa contra a criação da própria vila, mas o rei D. João V manteve o ato do Capitão General Conde de Assumar.

Na tentativa de diminuir o termo da Vila de São José o ouvidor da comarca Valério da Costa Gouveia quis delimitar o território da vila a Sesmaria de meia légua em circunferência, fazendo peão no centro da vila, em 28 de março de 1718. O curioso é que ficava-lhe pertencendo os arraiais de Itaverava e Catas Altas da Noruega, hoje cidades do mesmo nome localizadas no vale do Rio Piranga. Como haveria distritos tão longes, sem continuidade de território?

Há ai uma confusão, pois a medição de 28 de março de 1718, refere-se apenas a Sesmaria concedida ao senado da câmara da Vila de São José para nela ter seus rendimentos, construir casas, aforando os terrenos como até a atualidade se faz e não definindo o território do município. Eis o teor da carta de Sesmaria

“ Dom Pº de Almeida etc. faço saber aos q esta minha carta de Sesmra virem q havendo Rerpdo ao q me representou a Camra da Vª de S. Joseph do Rio das Mortes sobre necessitar de terras pª seos logradouros e utilide da camra , e haver ordenado S. Mag. der a cada Va destas Minas meya Legoa de terras em quadra pª nellas ter Rendm.to , com q suprirão as despezas publicas, e desejando mostrar, a dª camara a boa vontade com q atendo aos seos requerimentos , hey por bem fazer lhe m.ce em nome do dº Sr. de lhe conceder Sesmaria meya Legoa de terras sem prejuizo de tercros nehm haja moradores q prezte estejão cultivando as dª terras, a os quais Rezevarão os seos sitios com todas as vertentes q direitamto lhes pertecerem fora as quais se não poderão alargar sem licência da Camara . e todas as pessoas q na dª meya Legoa de terras fizerem casas serão obrigadas a pagar-lhe o foro e asim mesmo todas as q fizerem Rossas depois desta concessão pª que sejão suaves aos povos, os quais poderão tirar Lenhas das dªs terras pª o gasto de suas cazas, e no cazo q esta concessão possa servir de algum prejuízo a camara da Vª de S. João del Rey, podera a de S. Joseph inteirar q de cima como pª a de baixo. Pella q mando a todas (sic) as justiças desta capnia a q o conhecimento desta pertencer dem pose das terras referidas a dª camra na forma do estillo e fação cumprir, e guardar esta minha carta de sesmaria tão inteiramente como nella se conthem q por firmeza de tudo lhe mandei passar por mim assignada e sellada com o signete de minhas armas,a qual se registra nos livros da Sectrª deste governo e nos mais a q tocar. Dada em a Real Vª de Nossa Sra do Carmo aos sete dias do mez de marco de 1718 // Dom Pº de Almeida”
(códice S.C. Nº 12 1717-1721, p. 6v – APM)

Duas citadas feitas por Herculano Veloso (1) confirmaram a divisa o Rio das mortes. Uma assinada por Constantino Alves de Azevedo, em 15 de fevereiro de 1753, vereador que foi da primeira vereança:


“... dividindo huma Villa da outra pello Rio a que hoje Chamão do Elvas dizendo os vereadores e juizes que aquele era o verdadeiro Rio das mortes....”

A seguinte atestação diz:

“... que vindo, em setembro ou outubro de 1719, o Exmo Dom Pedro de Almeida Conde de Assumar hoje Marquez de Alorna governador e capitam general destas Minas e Sam Paulo a esta villa e querendo decidir das divisas .... sobre a demarcação do termo ....determinou o dito Exmo Senhor a demarcaçam do termo de esta villa fosse por onde chamão o Rio das mortes..... e que dalhy para bayxo ficando sendo diviza do termo o mesmo rio...”(2)
A Câmara da Vila de São José continuou a manter a posse de seu território a margem direita do Rio das mortes, sempre obedecendo este limite natural, como atesta os seguintes documentos:
· Nomeação de Domingos Xavier Fernandes, avô materno de Joaquim José da Silva Xavier para o cargo de provedor dos quintos do ouro do Arraial do Bichinho, em 1 de fevereiro de 1723.
· Nomeação para o posto de Capitão do distrito de Itaverava a João Teixeira de Carvalho, em 16 de junho de 1723.
· Nomeação de Caetano Pinto do Rego para capitão do distrito da caza Branca até a Borda do campo ( Barbacena), termo da Vila de São José.
· Nomeação de Manoel Gonçalves Viana para capitão-mor do distrito de carijós, etc. Termo da Vila de São José, em 19 de setembro de 1725.
· Nomeação de João Alves Preto para Sargento-mor de Lagoa Dourada, em 18 de outubro de 1726.2
Quanto a região chamada Rio Abaixo ( São Sebastião e Santa Rita) onde se localizava a fazenda do Pombal há documentos da Câmara de São José que confirmam fazer parte do termo da Vila de São José, como o que se segue datado de 8 de Janeiro de 1747, portanto cerca de 3 meses após o nascimento de Joaquim José:


“Fazemos saber aos moradores desta villa e seo termo que tem obrigação de tirar licença o fação os desta villa, corrego bichinho, Sam sebastião, Lagoa Dourada e Lage no mez de janeiro...” (3)


No ano de 1746, quando nasceu o Tiradentes, foram nomeados para o cargo de Almotacel, para os meses de julho e Agosto os cidadãos Bernardo Alves de Meya e Domingos da Silva dos Santos “ moradores no termo da Villa O último como se sabe era o dono da fazenda do Pombal e pai do Tiradentes:


“Ao primeyro dia do mês de julho de 1746 annos nesta villa de S. José Minas comarca do Rio das mortes em cazas de morada do Juiz ordinário que de prezente serve nesta mesma villa o Capitam Antonio Marques de Moraes aonde eu Escrivam adiante nomeado Juiz vindo e sendo ahi aparecerão prezentes Bernardo Alves de Meyva e Domingos da Silva dos santos pessoas eleitas pello senado da camara desta villa para servirem de Almotacés.....” (4)


No mesmo ano ainda foi eleito Almotacél Pedro Rois Arvelhos “morador no Ryo Abayxo, termo da villa" (5)

Em 1754 Domingos da Silva dos Santos foi eleito vereador para o biênio de 1755/1756, na abertura do pelouro a 2 de dezembro de 1754. (6)

É de se notar também que Domingos da Silva dos Santos casou-se em 1738, na matriz de Santo Antônio da Vila de São José, com Antônia da Encarnação Xavier, nascida e batizada na Vila de São José, filha de um dos primeiros moradores do Arraial velho Domingos Xavier Fernandes. Conforme certidão abaixo:

“Joseph Barboza Pereira coadjuntor da freguezia de santo Antonio da Villa de São Joseph da comarca do Rio das mortes – certifico que revendo o Livro de assentos de cazamentos da freguezia da dita villa nelle a folhas oitenta e hum V. e oitenta e duas se acha hu to teor seguinte – Aos trinta dias do mez de junho de mil setecentos e trinta e oito annos na minha igreja matriz desta villa feitas as denunciações canonicas na forma do sagrado Concilio Tridentino não havendo impedimento com procizão do Reverendo vigário da vara desta comarca o Doutor manoel da Rosa Coutinho se cazarão m minha prezença com as palavras do prezente na forma do mesmo sagrado concilio Tridentino os contrahentes Domingos da Silva dos santos , natural da freguezia de Basto, arcebispado de Braga, filho legítimo de Andre da Silva e de Marianna da Motta, e Antônia Encarnaçam xavier, natural desta freguezia, filha legítima de Domingos Xavier Fernades e de maria de Oliveira Colaça – forão testemunhas Joseph Velozo do carmo, bernardo Rodrigues dantas, maria da Conceição Xavier e Ritta de Jesus Xavier, todos desta freguezia, de que fiz este assento. O vigário Doutor Joseph Nogueira Terraz – E não se contina no dito assento tirado do proprio livro a que me reposto e assim juro in verbo Sacerdotes Villa de S. Joseph aos 22 de junho de 1763 – Joseph barbosa Pereira.” (7)

Tanto o avô materno de Joaquim José, Domingos Xavier Fernandes, como o pai Domingos da Silva dos Santos eram irmãos da irmandade do Senhor dos Passos, da Villa de São José e sempre estiveram ligados a vida política e religiosa de São José.

A Capela de São Sebastião

A capela de São Sebastião do Rio Abaixo, localizada próxima a fazenda do Pombal, em local hoje não identificado servia aos moradores da região do Rio Abaixo que estavam longe das suas matrizes (Santo Antônio e Nossa Senhora do Pilar) deveria existir desde os primeiros decênios do setecentos, antes da capela de Santa Rita. Engana-se o escritor Eduardo Canabrava Barreiros ao localizá-lo a margem esquerda do Rio das Mortes, pois ela localizava-se em terrenos do Termo da Villa de São José, portanto na margem direita e recebia pasto espiritual do vigário da freguezia de Nossa Senhora do Pilar da Villa de São João del Rei. Ai começa a confusão pois a divisão administrativa não era a mesma da divisão religiosa, como até hoje ocorre. Vejamos o registro deixado no livro de atas da Câmara de São José, na sessão de 11 de abril de 1832:


“...havendo de tempos antigos huma capella neste termo cita em as margens do Rio das Mortes com a vocação (SIC) de São Sebastião esta se demolio por falta de reditos para a sua sustentação, e os poucos desta pequenina aplicação sempre se tem entregado ao pasto espiritual da Freguezia da Villa de São João e por que o Rio das Mortes he diviza do termo e por se evitarem dúvidas em eleições inda comodo dos povos no melhoramento passando-se para a freguezia desta villa por ficarem izentos das passagens digo, ficando a pequena distância de duas legoas...”
( atas da Câmara de São José. 1829-1832, fls.124 V.125. Arquivo da Câmara de Tiradentes)


Ocorre ser lógico e aceitável ter o menino Joaquim José sido batizado na referida capela de São Sebastião, no termo da villa de São José e freguezia da matriz do Pilar de São João del Rei.
Razões não faltaram para ser lá o batismo: era próximo da fazenda Pombal, onde deu-se o nascimento; estava na mesma margem direita do Rio das Mortes, não tendo que atravessar o recém nascido em canoa, ou ir até a ponte do Porto real a quase duas léguas e ainda pagar o pedágio cobrado lá. Lá na capela, naquela época havia um capelão- João Gonzalvez, e certamente era mais próxima que a de Santa Rita. Lógico também que o assento fosse lançado no livro da paróquia do Pilar de São João del Rei que cuidava do livro pasto espiritual da Capela de São Sebastião

No próprio assento de batismo, lançado no livro de assentos de batizados da paróquia do Pilar, 1742-1749, fls. 151 V.º, livro este pertencente ao acervo da Biblioteca Nacional do Rio de janeiro, vendido que foi àquela instituição por Samuel Soares de Almeida, na primeira metade do século XX, não consta que a capela de São sebastião pertença ao termo da vila de São João del Rei.

Portanto julgamos que o Tiradentes nasceu e foi batizado na paragem do Rio Abaixo, termo da villa de São José e freguezia de São João del Rei.
A capela como se viu do documento acima foi demolida antes de 1832 por falta se rendimentos para mantê-la e é tradição oral que a imagem do padroeiro tenha sido levada para a capela de Santa Rita do Rio Abaixo. Há poucos anos lá foi furtada uma imagem de São Sebastião que poderá ter sido testemunha do batizado do nosso herói Tiradentes.

No livro de registro de inventários da paroquia de Tiradentes consta no ano de 1852 o seguinte:


“Assim mais uma Imagem de São sebastião com quatro palmos de altura, com resplendor de prata com o peso de quarenta e três oitavas" (8)


Inventário referente a Capela de Santa Rita do Rio Abaixo, então filial da matriz de Santo Antônio de Tiradentes.

Dois documentos posteriores ao nascimento do Tiradentes denunciam pertencer a fazenda do Pombal ao Termo de São José. Um deles é o testamento do Sargento-mor João Gonçalvez Chaves, falecido solteiro, em 02 de dezembro de 1759 e sepultado na capela de Nossa Senhora da Penha de França do Arraial da Laje ( hoje Resende Costa). No testamento o Sargento-mor declara que era morador:

“ ...nesta paragem do Rio Abaixo Capella de São Sebastião fillial da matriz de Nossa Senhora do Pillar de Sam Joam del Rei comarca do Rio das Mortes e Termo da Villa de Sam Joseph, onde eu João Gonçalcez Chaves sou morador....”
(livro de óbitos da freguezia de Santo Antônio da Villa de S. José. 1746-1768. Fls. 356-362- Arquivo Paroquial de Tiradentes, hoje confiscado pelo bispo de São João del Rei.)

O outro documento de importância é os autos de inventário procedido por morte de Antônia da Encarnação Xavier, sendo inventariante o seu viuvo Domingos da Silva dos Santos. O processo data de 1756, procedido no cartório da Villa de São José, onde esteve até o final do século XIX, quando foi extraviado e depois doado, em 1904 ao Instituto Histórico e Geográfico de Brasileiro, onde se acha. Nele consta claramente:


“...nesta paragem chamada o Sitio do Pombal no Rio Abaixo, termo da Villa de São José, nas casas de moradia do inventariante cabeça do casal Domingos da Silva dos santos.....”
( Revista trimestral do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo LXVI, parte I – 1º e 2º trimestre, Rio de Janeiro, Imprensa nacional 1904. P. 286)


Ainda no mesmo documento é citado entre os bens de raiz duas casas sitas na Villa de São José, em rua não mencionada, dividindo com o citado sargento –mor João Gonçalvez Chaves e com o Padre Miguel Rebelo Barbosa. Isto vem provar que o casal Domingos/Antônia, não só viviam na fazenda do Pombal, termo de São José del Rei como também tinham casa na Villa para aos domingos e dias santos passarem o dia, como era costume da época, como também para o vereador Domingos da Silva santos ter estadia, em época de sessões do Senado da Câmara.
Há que citar ainda um outro documento datado de 03 de março de 1832, registrado no livro da Câmara de São José em que é citado os curatos para efeito de nomeação da Guarda nacional, que se refere ao Rio abaixo:


“... e a que antigamente pertencia a capella de São Sebastião que agora não existe e pertence a Villa de São João pelo Eclesiástico.”
(Livro de atas da Câmara de São José. 1829-1833, fls. 117/118. Arquivo da Câmara de Tiradentes)


Trinta anos antes há nomeação de Joaquim Pinto Góes e Lara, aparentado do com o Tiradentes, para Capitão da Companhia de Ordenanças da Capela de São sebastião do Rio Abaixo e suas vizinhanças; em 14 de novembro de 1801.

(livro de atas da Câmara, 1799-1803)- Arquivo Municipal de Tiradentes

Em 12 de dezembro de 1757 faleceu Domingos da Silva dos Santos, procedendo o inventário de seus bens no cartório da Vila de São José, ficando o menino Joaquim José órfão de pai e mãe, com pouco mais de dez anos de idade, tendo certamente ficado sob os cuidados do irmão mais velho e das tias.

Uma das tias, Rita de Jesus Xavier, moradora na Vila de São José, vem a ser a mãe do importante botânico e editor Frei José Mariano da Conceição Veloso,, portanto primo de Joaquim José. Mas só quando completa 20 anos é que Joaquim José, provavelmente já tendo aprendido o oficio de tira dentes, com o seu padrinho Sebastião Ferreira Leitão, solicita as autoridades de colônia a sua emancipação para cuidar de sua herança e seus negócios, com consta do requerimento datado de 1767:


“Diz Joaquim José da Silva Xavier, filho legítimo de Domingos da Silva santos, já defunto, e de sua mulher, Antônia da Encarnação Xavier, natural da Villa de São José, comarca do Rio das Mortes, distrito das Minas Gerais, que ele suplicante, se acha com vinte anos completos, como consta da certidão de idade inserta no instrumento junto; e porque estár vivendo tratando de negócios da fazenda e tem capacidade para governar e administrar os seus béns, como justificou perante o juiz dos órfãos daquele distrito, do que se lhe passou o dito instrumento junto, e como quer se digne Vossa Majestade conceder-lhe promissão de suplemento de idade, dispensando –lhe na lei, para com ela poder requerer a entrega a sua legitima, pede a Vossa majestade seja servido conceder-lhe a dita promissão. ERM. Joaquim Alves Muniz"
Pagou na chancelana 880rs, Rio de janeiro 20/07/1761, Castelo Branco
.
(Autos de Devassa da Inconfidência Mineira, vol. 9- Câmara dos Deputados, Brasília, 1977 p. 14 e15)

O referido requerimento foi despachado no dia 15 de julho de 1767, em nome do Rei D. José I, concedendo carta de emancipação e “idade legitima”. Mas o que importa para o presente neste documento que o próprio Tiradentes ter-se declarado “natural da Vila de São José”, e este documento foi omitido na inicial apresentada pelo IHG de São João del Rei ao senhor juiz.

É ainda preciso justificar que a maioridade no século XVIII só se dava aos 25 anos, por isso o Tiradentes pediu emancipação aos 20 anos. Agora vejamos o comentário do Souto historiador dos Tarquinio José Barbosa de Oliveira ao pé da página onde se publicou tal documento:


“Tiradentes foi batizado na freguezia de São Sebastião do Rio Abaixo a 12/11/1746; nasceu na Fazenda do Pombal, próxima ao Arraial de Santa Rita do Rio Abaixo, pertencente ao termo da Vila de São josé, por sua vez compreendida na comarca do Rio das Mortes com sede em São João del Rei”.
(Auto de Devassa, cit., p. 15)


Reconhece pois Tarquinio que a fazenda do Pombal pertencia ao termo de São José. Daí para frente não aparece mais declarações de Joaquim José a respeito de seu local de origem ,a não ser no interrogatório datado de 22 de maio de 1789 quando é perguntado sobre sua identidade que respondeu:


“se chamava Joaquim José da Silva Xavier, filho de Domingos da Silva dos Santos, e de sua mulher Antônia da Encarnação Xavier, natural do Pombal termo da Vila de São João del Rey, capitania de Minas Gerais, e que tinha quarenta e hum anos de idade.....”
(Autos de Devassa, Arquivo Nacional, códice n.º 5, volume 5, folha 2)


Poderá o escrivão ter anotado São João del Rei em lugar de São José del Rei ou o próprio Tiradentes ter declarado Pombal, termo da Comarca de São João del rei, pois ele se equivoca sobre sua própria idade, pois pelo assento de batizado teria neste ano de 1789 a idade de 43 anos. Se considerarmos a declaração acima ele teria nascido em 1748, como se acreditou durante muitos anos.

Durante todo o século XIX e inicio do XX, acreditou-se que o Tiradentes havia nascido na Vila de São José, é a cidade de São José que vinham os intelectuais e propagandistas da republica promover sessões cívicas em honra ao herói, na casa do inconfidente Padre Toledo. Mas é o inflamado escritor Antônio da Silva Jardim, que em 1889, em discurso que sugere mudar o nome do rei português (D. José I) para o herói Tiradentes, o que se dará por decreto de José Cezário Alvim, governador provisório de Minas em 6 de dezembro de 1889, com o nº 3. Como disse Ângelo Oswaldo de Araújo Santos ,atual prefeito de Ouro Preto. *


O mestre Silva Jardim, no dia 21 de abril de 1890 profere um memorável discurso em homenagem ao Tiradentes, como programação do “ Clube Tiradentes” fundado por um antigo morador da cidade de São José del Rei, no Salão do Cassino fluminense, em que diz a respeito do herói:

“Não podia dizer, como César, que provinha dos reis, que eram senhores do mundo, nem dos deuses, que eram os senhores dos reis. Nascera de uma modesta família de São José del Rei, em Minas Gerais família parca em glórias e fazendas.”
(Tiradentes, discurso lido por Silva Jardim na Sessão Solene do Club Tiradentes, em homenagem ao patriota Matyr, na noite de 21 de abril de 189, Rio de Janeiro, Ty. De G. Leuznger e Filhos, 1890. P. 21)

A cidade de Tiradentes sempre teve estreita relação com a figura do protomártir da independência brasileira, deste o século XIX.

Em 1892, quando se comemorou o primeiro centenário de morte do herói, foi criada na cidade a Sociedade Comemorativa do Centenário do Tiradentes presidida pelo Comendador Carlos José de Assis, que promoveu grandes solenidade em torno do 21 de abril, com uma sessão magna nos salões da casa do Pe. Toledo, procissão cívica e uma solene missa de requiem pela morte do herói. Foi ainda essa sociedade que promoveu a construção de um monumento ao herói, colocado no centro do Largo das Forras, que passou a se chamar praça da Liberdade. (9)

Em 1894 as ruas da cidade recebeu os nomes do Tiradentes, do Pe. Toledo, do Resende Costa entre outros. Foi o primeiro monumento erigido ao Tiradentes na região do Rio das Mortes e o segundo erigido no estado de Minas gerais, somente posterior a Coluna Saldanha Marinho, em Ouro Preto, substituída em 1894 pelo monumento atual.
No ano de 1992 foi montada nova comissão Comemorativa do Bicentenário da Morte de Tiradentes, tendo promovido missa solene, na matriz de santo Antônio, celebrada pelo presidente da CNBB D. Luciano Mendes de Almeida e concelabrada por D. Serafim Fernandes de Araújo, cardeal de Belo Horizonte e outros seis bispos e quarenta padres da diocese e da província eclesiástica de Juiz de Fora. Assistiu a cerimônia o Vice- presidente da República Itamar Franco e o Vice governador de Minas Arlindo Porto. Houve ainda uma apresentação da esquadrilha da fumaça, chuva de rosas sobre a cidade, salva de 12 tiros pelo exercito brasileiro e sessão Solene da Assembléia Legislativa de Minas Gerais.
Por fim temos a dizer a respeito do livro do Sr. Eduardo Canabrava Barreiros – As Vilas del Rei e cidadania do Alferes, José Olimpo do Rio de Janeiro , 1977 que o próprio autor revela na introdução Ter sido o livro encomendado pela Câmara municipal de São João del Rei, especialmente pela vereadora Alba Lombardi, com o intuito claro de dar razão aos que defendem ter Joaquim José da Silva Xavier, nascido em São João del rei. É curioso o autor ter citado tantos documentos e não Ter se que referido a petição de Joaquim José datada de 1767, quando se declara natural da Villa de São José. Parece omissão proposital.

Finalizando, citamos o artigo do professor de história e publicitário Yves Gomes Ferreira Alves, sócio do IHG de Tiradentes, falecido em 1996:


“que isso ocorra no âmbito do estudo da historia local é perfeitamente compreensível. Ir além expor-se a um jornalismo sensacionalista que pode levar ao ridículo o esforço edificante daqueles que, nas duas cidades, se empenham, atualmente, em construir um programa comemorativo à altura do evento de 21 de abril.
Afinal Tiradentes é tão mineiro nascido em São João quanto em São José. Há muito ele não pertence só a Minas Gerais. Pertence a todos que, neste momento, querem reverenciá-lo realmente.”

(Yves Alves – Pelo Amor de Deus não Esquartejem, O Tiradentes outra vez, jornal do Bicentenário do Martírio de Tiradentes, Tiradentes, MG-21 de abril de 1992)

Pelo exposto fica claro que o Instituto Histórico e geográfico de Tiradentes não concorda com a argumentação apresentada pelo seu congênere de São João Del Rei e continuará a afirmar, baseado no acima escrito que Joaquim José das Silva Xavier, herói maior da nação brasileira, o cavaleiro liberdade, nasceu em solo sagrado da VILLA DE SÃO JOSÉ DEL REI, no estado de Minas Gerais.




1º tesoureira

A- Fontes Primárias

· Arquivo do IHG de Tiradentes
- Livro primeiro de Acórdãos e Criação da Vila de São Joseph. 1718-1722

· Arquivo da paróquia de Santo Antônio de Tiradentes
- Livro de óbitos. 1746-1768

· Arquivo da Câmara Municipal de Tiradentes
- Livro de Atas. 1829-1833

· Arquivo Público Mineiro
- códice S.C n.º 12- 1717-1721

B- Livros

- Veloso, Herculano. Ligeiras memórias sobre a Vila de São José e seu Termo nos tempos coloniais, BH, Imprensa oficial, 1955.
- Barreiros, Eduardo Canabrava. As Vilas del Rei e a cidadania de Tiradentes, Rio de Janeiro, José Olímpio, 1976.
- Autos de Devassa da Inconfidência Mineira, Brasília, Câmara dos Deputados, 1977.
- Jardim, Silva. Tiradentes, discurso lido por... na sessão solene do Club Tiradentes, em homenagem ao patriota mártyr na noite de 21 abril de 1890, Rio de Janeiro, tipografia G. Leuznger e filhos, 1890.

C- Periódicos
- Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo LXVI, parte 1, 1º e 2º trimestre, Rio de Janeiro, imprensa nacional, 1904.
- Jornal do Bicentenário do Martírio de Tiradentes, Tiradentes, MG, 21 de abril de 1992.
- Revista do Arquivo Público Mineiro, ano XXIV, BH, imprensa oficial, 1933.
(Basílio de Magalhães- Estudos Históricos- Controvérsias)

D- Diversos
- Almeida, Samuel Soares. Limites de São João e São José, notas datilografadas, copiadas pelo cônego Trindade, 1950- Arquivo 13ª SR IPHAN/MG.


(1) Veloso, Herculano- Ligeiras memórias sobre a Vila de São José e seu Termo nos tempos coloniais, BH, Imprensa oficial de Minas Gerais, 1955. P.18,19,36,37.
(2) Veloso, Herculano- Ligeiras memórias sobre a Vila de São José e seu Termo nos tempos coloniais, BH, Imprensa oficial de Minas Gerais, 1955. P.18,19,36,37.
(3) Veloso, opcit,P.36
(4) Veloso, opcit ,P. 36
(5) Veloso, opcit,P.37
(6) Veloso, opcit ,P. 37
(7) Veloso, opcit,P.33
(8) Livro de registros das Capelas e tombos de São José del Rei. 1852-1875,fl. 27 – Vº APT
(9) Santos Filho, Olinto Rodrigues dos. São José del Rei: República e Tiradentes, in Jornal do Bicentenário do Martírio de Tiradentes, Tiradentes, 21 de abril de 1992.

São José de Rei: República e Tiradentes



Foi na Vila de São José, nome dado em homenagem ao infante D. José, que nasceu, em 1746, Joaquim José da Silva Xavier. O pai de Joaquim José era o português Domingos da Silva Santos, estabelecido na região há bom tempo, tendo exercido cargos públicos como vereador no Senado da Câmara e Almotacel.
Este Domingos foi casado com Antônia da Encarnação Xavier. O casamento ocorreu na Matriz de Santo Antônio da Vila de S. José, em 30 de junho de 1738. Antônia da Encarnação, nascida em 1721, na mesma vila, era filha de Domingos Xavier Fernandes, um dos primeiros habitantes do Arraial Velho do Rio das Mortes.
Joaquim José vai se tornar o conhecido alferes Tiradentes, depois de muitas andanças por Minas e Rio. Progador das idéias da Conjuração Mineira, intentada pela intelectualidade e fazendeiros – mineradores das comarcas de Vila Rica e Rio das Mortes. Apaixonado pelas idéias de liberdade da pátria mineira, o alferes tornou-se figura impar dentro do movimento, inspirado nas idéias iluministas francesas, sonhava com a república e trazia consigo uma tradução francesa de uma coletânea das leis das colônias inglesas na América do Norte. Debelado o movimento, presos os acusados, processados e mofando nos cárceres da Ilha das Cobras, durante três anos, o Tiradentes chama para si, nos depoimentos, a responsabilidade maior do malogrado levante, eximindo Tomás Antônio Gonzaga, que dizem tratavam das leis da nova nação. Na Segunda metade do século XIX, já no reinado do nosso Pedro II, o historiador Joaquim Norberto de Souza e Silva, faz o primeiro estudo sobre a Inconfidência Mineira e o Tiradentes, muito sob a visão de monarquista e sem querer desagradar o seu imperador, homem querer desagradar o seu imperador, homem pacato e amigo da intelectualidade.
Com a fundação em 1870, no Rio de Janeiro, do partido Republicano, lançando o manifesto republicano, inicia-se efetivamente a propaganda da república. Lança o jornal “A República” e muitos dos históricos defensores daquele ideal se agregam em torno dele. É aqui que a figura ímpar de Joaquim José da Silva Xavier desponta irreversivelmente como herói nacional, símbolo e precursor do ideal republicano.
Em 1872 o Dr. Pedro Bandeira de Gouvêa lança na imprensa carioca uma campanha para erigir um estátua ao herói. Abre-se uma subscrição popular. A iniciativa de Bandeira Gouvêa é atacada com ímpeto por Joaquim Noberto e segue-se uma polêmica na imprensa da época. Bandeira Gouvêa reúne artigos num opúsculo publicano no mesmo ano.
Neste final de século XIX, o abolicionista e republicano Angelo Agostini, imigrante italiano, mas comprometido com as idéias de liberdade brasileira, desenha e faz publicar a primeira representação do Tiradentes. Como não havia registro algum da figura do herói mineiro, Agostini idealiza uma figura do herói mineiro, Agostini idealiza uma figura de cabelos e barba longos lembrando a figura de Cristo, imagem que se vai multiplicar e persistir até os dias atuais, embora de longe não corresponda à realidade dos costumes e usos dos fins do século XVIII.
Em 21 de abril de 1881, um grupo de republicanos funda no Rio de Janeiro o “Clube Tiradentes”, sob a direção de Antunes, natural de S. José del Rei, de longa duração, que além de divulgar o ideal republicano, cultuava a memória do mineiro ilustre.
Ainda na década de 1880, um grupo de republicanos ligados ao Clube Tiradentes, viaja a Minas e faz uma “romaria cívica” à terra do herói. Estes republicanos vêm encontrar na Velha Cidade de S. José del Rei, a casa do vigário Pe. Carlos Corrêa de Toledo e Melo, um dos inconfidentes, que àquela época acreditava-se tratar da casa do próprio Tiradentes.
Ali, os republicanos fizeram Sessão Cívica em louvor ao Tiradentes e pregaram o advento da república. Ainda neste período, imediatamente anterior à proclamação da República, o grupo de propagandista do novo regime descobriu no Cartório de S. José del Rei, o inventário dos bens dos pais do Tiradentes, documento posteriormente extraviado, e hoje no arquivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Este documento veio a estabelecer o local do nascimento do herói em São José del Rei. No ano de 1889, Dr. Sampaio Ferras, profere uma conferência no aniversário da morte do Tiradentes, como noticiou o jornal republicano “Pátria Mineira” de S. João del Rei, no seu número inaugural do referido ano. A nota publicada no jornal diz sobre a casa do Pe. Toledo, o seguinte: “esta casa costuma ser visitada nestes dias pelas pessoas que veneram a memória gloriosa dos inconfidentes, e nela já se tem celebrado sessões comemorativas do aniversário do proto-Martyr”.
No dia 23 de abril de 1889, Silva Jardim, o líder republicano mais exaltado e que acreditava no advento do novo regime através da mobilização popular, em visita a São João del Rei, tentou falar ao povo e foi agredido com pedradas, no Grande Hotel, onde se hospedava. Neste mesmo dia, Silva Jardim chega a Estação de São José del Rei (hoje Tiradentes) pelo trem da Estrada de Ferro Oeste de Minas e lá mesmo faz um inflamado discurso republicano, em que sugeriu que o nome da terra natal de Joaquim José da Silva Xavier fosse mudado de São José del Rei, que lembravam o nome de um rei português, para Tiradentes, em homenagem ao maior herói da nação.
Com os acontecimentos dos dias 15 e 16 de novembro de 1889, que tornaram realidade a República, não pela ação popular, mas pela mão dos militares descontentes, a província de Minas torna-se Estado da Federação. Coube ao segundo governador provisório do Estado, o Dr. José Cesário de Faria Alvim, assinar o ato número 03, datado de 6 de dezembro de 1889, que mudou o nome de São José del Rei para Tiradentes, propulsionado pelo ilustre estadista mineiro Dr. João Pinheiro da Silva Jardim no início do ano. O ofício que comunica o aludido ato ao presidente da Câmara, o Barão de Itapicirica, é o seguinte: “Comunico, para Vosso conhecimento a fim de que torneis público por editaes, que por ato desta data, determinei que essa cidade e município passe a ter a denominação Cidade e município de Tiradentes. Saúde e fraternidade. José Cesário de Faria Alvim”.
Só no dia 28 de dezembro de 89 que o presidente da Câmara Municipal expede edital comunicando a substituição do nome da cidade e vai aparecer na imprensa sanjoanense em janeiro de 1890. “O Pátria Mineira” publica o edital nos números 34, 35 e 36 do referido ano de 90.
É na cidade de Tiradentes que, em junho de 1890, o Clube Republicano local, apresenta proposta aos membros dos Conselho da Intendência para a mudança dos nomes das ruas centrais para os nomes dos inconfidentes como: Rua de Cima para Rua Padre Toledo; Rua das Forras para Resende Costa; Largo das Forras para Inconfidência; Largo do Passo (Largo do Ó) para Vitoriano Veloso.
Em 1892, organiza-se com entusiasmo na cidade a Sociedade Comemorativa do Centenário do Tiradentes, capitaneada pelo comendador Assis, seguido do promotor público da recém criada comarca, o Sr. Presalindo Lery dos Santos.
Em 1932 a prefeitura local resolveu reformar o monumento e encomendou ao artista popular Antônio Gomes um busto de Tiradentes, que substituiu a urna funerária existente na coluna, e ainda foram, acrescentadas 16 rosetas nas faces das bases. Em 1942 colocou-se uma efígie do mártir em uma das faces do monumento, por ocasião da primeira jornada do Fogo Cívico da Pátria.
A festa que se realizou no dia do centenário da morte de Tiradentes foi muito concorrida e divulgada na imprensa sanjoanense e no “Minas Gerais”.


Olinto Rodrigues dos Santos Filho
Pesquisador do IBPC, Sócio do IHGT e Presidente da SAT.

Fotos de Tiradentes

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foto da década de 70







foto da década de 20



foto de 1948

Padre José Bernardino

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Pe. José Bernardino de Siqueira, vigário da Paróquia de Santo Antônio de Tiradentes, entre 1923 e 1956. Era natural de Itapecerica, e de Tiradentes foi para a Paróquia de José de Melo, próximo a Caeté. Quando vigário foi responsável pela reforma das igrejas da Santíssima Trindade, São Francisco de Paula, Bom Jesus da Pobreza, Santo Antônio do Canjica e da Capela rural de Nossa Senhora do Pilar do Padre Gaspar.

Restauração do Órgão da Matriz de Tiradentes

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Órgão da Matriz de Santo Antônio de Tiradentes, instrumento feito na cidade do Porto, em Portugal pelo organeiro Simão Fernandes Coutinho entre 1785 e 1788. A caixa foi feita no local pelos artífices Salvador de Oliveira (entalhador), Antônio Teixeira Viana (entalhador), Antônio da Costa Santeiro (escultor), Antônio Rodrigues Penteado (marceneiro) e João Damaceno (marceneiro). A pintura e douramento foram feitas por Manuel Victor de Jesus, em1798. O órgão foi montado e afinado pelo Pe. Antônio Neto da Costa, e inaugurado em setembro de 1788 pelo organista Francisco de Paula Dias.

Com o patrocínio da Petrobras, Itaú Cultural e Usiminas, o órgão foi restaurado entre 2005 e 2008. O mecanismo foi restaurado por Gerhard Grenzing na cidade de Barcelona, Espanha. A caixa foi restaurada no local (Tiradentes) pela empresa Anima. Nos dias 7 e 8 de fevereiro de 2009 foi feita a entrega da restauração com missa solene, quando foi usado o órgão executado pelo organista espanhol Andrés Cea, com a participação do coro "VivAvoz". Em seguida houve um concerto de gala pelo mesmo organista. No domingo a programação musical foi repetida. Na missa e concerto foi executada a "Missa Breve" de Manuel Dias de Oliveira (1735-1813), compositor de Tiradentes.

A restauração foi feita através das Leis de Incentivo Cultural Estadual e Federal, sendo proponente a Sociedade Amigos de Tiradentes e gerenciado pelo Bureau Cultural Santa Rosa, com apoio da Paróquia de Santo Antônio de Tiradentes e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

órgão fora da caixa, em fase final de restauração no atelier de Gehard Grenzing, em Barcelona

Um sábio de Minas


Texto: Olinto Rodrigues dos Santos Filho*

 José Veloso Xavier nasceu em outubro de 1741 na antiga vila de São José, atual cidade de Tiradentes, em Minas Gerais. Era filho de José Veloso do Carmo, português de Braga, e Catarina de Jesus Xavier, natural da vila de São José. Era primo do alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, e do padre Antônio Rodrigues Dantas, autor da famosa Explicação da Sintaxe, publicada em Lisboa no ano de 1775 e várias vezes reeditada. Entrou para a ordem franciscana em 1761, onde adotou o nome de José Mariano da Conceição, e estudou no Convento de São Boaventura de Macacu, hoje em ruínas, no município de Itaboaraí (RJ).

Em sua vida religiosa, ordenado em 1766, logo em 68 foi nomeado pregador. Transferido depois para a aldeia indígena de São Paulo (São Miguel), desenvolveu trabalho de pregação e conversão dos gentios, tendo ainda regido as cadeiras de Geometria (1771) e Retórica (1779) do Convento da cidade de São Paulo.

Durante sua estada em São Paulo iniciou estudos da flora local com tanto interesse e competência que chegou aos ouvidos do Vice-Rei Luiz de Vasconcellos e Souza, que mandou vir Frei Veloso para o Rio. Sediado no Convento do Largo da Carioca, o Frei teve licença para fazer excursões científicas pelo Estado do Rio, coletando e classificando as plantas daquela região, sob os auspícios do Vice-Rei.

Ao fim de cerca de nove anos de trabalho Frei Veloso apresentou ao seu protetor a obra concluída, a Flora Fluminensis, com cerca de 1600 plantas classificadas e desenhadas por Frei Solano, no ano de 1790. por esta importante obra é hoje conhecido como “Pai da Botânica no Brasil”. Regressando D. Luiz para a Corte, leva Frei Veloso com sua obra e seus desenhos, que seriam enviados à Itália para abrir as chapas. Em Portugal, o sábio mineiro dedica-se de corpo e alma a uma importante empreitada de editar obras úteis à agricultura e indústria agrícola no Brasil, as quais denominou O Fazendeiro do Brasil.

Publicou dez volumes em editoras diversas de Lisboa, tendo posteriormente, ainda sob a égide de D. Luiz de Vasconcellos, fundado e dirigido a tipografia do Arco do Cego, localizada em uma quinta naquele bairro, onde juntou um grupo de jovens brasileiros ilustrados para traduzir e editar obras de interesse para sua pátria. Deste grupo contavam Nogueira da Gama, padre Viegas de Menezes, Antônio Carlos e Martim Francisco de Andrada e Silva, Hipólito José da Costa, José Feliciano Fernandes Pinheiro, Vicente Seabra Silva Teles, José Ferreira da Silva, João Manso Pereira, Manoel Arruda Câmara e Manoel Rodrigues da Costa.

 O Arco do Cego foi responsável pela introdução da moderna tipografia em Portugal, tendo inclusive oficina de gravura com aprendizes e fundição de tipos em anexo. Um dos ilustres trabalhadores da editora foi o poeta Manoel Maria Barbosa Du Bocage. Extinta a tipografia do Arco do Cego, Veloso passa para a Imprensa Régia, até que as invasões napoleônicas o fazem retornar ao Brasil e desviam para a França as pranchas já prontas da Flora Fluminensis. Sua maior obra fica, então sem editar.

Após sua morte, ocorrida no Convento de Santo Antônio, no largo da Carioca, Rio de Janeiro, o Imperador D. Pedro I mandou editar em 1825 a Flora Fluminensis, impressa na Imprensa Régia e com litografias encomendadas em Paris. Os exemplares editados ficaram depositados na Academia de Belas Artes, onde foram quase totalmente destruídos pelos alunos daquela instituição. A coleção completa da Flora Fluminensis é hoje considerada uma raridade bibliográfica.

Quando se completam 200 anos do falecimento deste homem de excepcional espírito científico, a cidade de Tiradentes, que foi seu berço natal, através do Instituto Histórico Geográfico, o homenageia.


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*Sócio do Instituto Histórico e Geográfico de Tiradentes


Calçamento das Ruas de Tiradentes



Notas Históricas

Olinto Rodrigues dos Santos Filho

As Vilas do período colonial brasileiro desde sua origem tinham como ruas os antigos caminhos lamacentos durante o período chuvoso ou poeirento no período da seca, pois eram em sua maioria em terra batida pelo próprio transito de pedestres e animais. Prova disso são nomes que ainda sobreviveram até os dias atuais, como Diamantina que se chamou Arraial do Tejuco, que quer dizer lama ou o barro, antiga rua do Tejuco em São João Del Rei, que não passava de um caminho lamacento ou ainda  rua do Barro Velho, hoje conhecida como Rua do Barro, atualmente denominada Coronel Tamarindo, na mesma São João Del Rei.

É a partir de meados do século XVIII, após 1760 até os fins do século XVIII que o senado das Câmaras das vilas mineiras começam a se preocupar em pavimentar as ruas principais do núcleo urbano. Todas elas vão ter o mesmo tipo de calçamento em pedras miúdas e arredondadas conhecidas como cabeça de negro ou pé-de-moleque, pela semelhança que tem com o doce de amendoim do mesmo nome. 

Normalmente as calçadas, obras públicas que como as outras eram postas em hasta pública, ditas "postas em praça" e arrematadas por mestres pedreiros. Vez por outra Câmara reforçava a equipe dos pedreiros com mão de obra dos presos nas cadeias das vilas, trabalhando sob vigilância e as vezes com ferros nos pés. Foi também comum o arrematante da obra "alugar" escravos de ganho, de terceiros, para ajudar nas obras. As pedras vinham de pedreiras próximas as vilas e muitas vezes do fundo de rios, pois eram mais lisas e uniformes. Os desenhos dos calçamentos tinham uma espinha central que funcionava como canaleta de escoamento da água pluvial ao centro, pois ambos os lados se inclinava para o meio, assim protegendo as paredes das casas de umidade. Ainda resta deste sistema o calçamento da cidade de Paraty, RJ, um dos poucos originais. Por vezes a calçada formava desenhos com diagonais em espinha, como era no antigo Serro e Diamantina conforme fotografias da década de 1930.




Quase todos os calçamentos se perderam nas nossas cidades coloniais mineiras. Ouro Preto, como capital da província e depois do estado teve a maior parte substituída por paralelepípedos, no final do século XIX, numa tentativa de modernizar a cidade, para não perder o status de capital. Alguns poucos pedaços do antigo calçamento restaram a volta do museu da inconfidência, em alguns becos, principalmente no que desce da praça Tiradentes para o Largo de Coimbra, onde esta a igreja de São Francisco de Assis. O mesmo aconteceu com São João del Rei, onde o progresso fez com que no fim do século XIX, toda a cidade fosse calçada com paralelepípedo, em moda na Europa, principalmente Paris e nas grandes cidades brasileiras, com o Rio de Janeiro. Da mesma maneira Mariana substituiu seu calçamento por paralelepípedo, deixando original algumas ruas transversais, ainda existentes, o mesmo caso deu-se com Sabará, já no século XX. 

O Serro perdeu seu calçamento original já em meados do século XX, assim como Diamantina, que teve o original substituído por grandes lajes assentadas sobre base de concreto.

Uma das curiosidades em relação ao calçamento de Ouro Preto e Diamantina foi a instalação de uma faixa de pedras largas e regulares no centro da rua de calçamento de pé de moleque, para dar mais comodidade aos transeuntes, isso por volta de 1877 -1878. Como esse serviço foi feito na época em que era presidente da província o Conselheiro João Capistrano Bandeira de Melo, o povo batizou a passarela de "Capistrana".







Vicente Velloso – Bolas Pelotas



fotografia publicada na revista O Cruzeiro, 1967


Vicente de Paula Velloso nasceu em nove de setembro de 1889, nos últimos dias do império. Era filho de Dona Maria José Velloso, a “Sá Cota Velloso”, zeladora apaixonada da matriz de Tiradentes, e de Francisco Joaquim Ribeiro. Ainda cedo, o menino ingressou no seminário de Mariana, influenciado pela fé de sua mãe, do irmão Pe. João Teodorico e do padrinho Pe. João Batista da Fonseca. 

 No seminário, adquiriu vasto conhecimento, pois era homem de rara inteligência. Sentindo não ter vocação sacerdotal, abandona o seminário e volta para Tiradentes, assumindo, no início do século, o cargo de contador e distribuidor do fórum de Tiradentes, no qual se aposentou. A demência o atacou ainda com pouca idade. Contava-se que foi por uma desilusão amorosa, uma paixão por uma certa Alice, que durou até o fim da vida. 

 Vicente Velloso estudou música com outros irmãos na escola do Clube Euterpe Tiradentino, aberta em 1896, tornando-se exímio músico e compositor, tendo legado à posterioridade um belo “Tatum Ergo” para a Benção do Santíssimo e um hino a Santo Antônio “Ó Língua Bedicta”, cujos originais estão guardados no arquivo da Orquestra Ramalho. 

 Com suas longas barbas grisalhas, um surrado sobretudo cinza e um bastão, a figura do ancião impressionava a todos e assustava as crianças do nosso tempo. Vicente Velloso era conhecido pelo apelido de “Bolas Pelotas”, que ele odiava. Contava-se que com a demência ele certa vez ouviu o nome da cidade de Pelotas-RS e passou a murmurar pelas ruas: “- Ora, como pode uma cidade chamar-se Pelotas... ora bolas Pelotas...” Daí o apelido, gritado pelas crianças, pelas ruas da cidade. Trazia o velho Velloso sempre um terço na mão, a murmurar pelas ruas palavras em latim, sempre perambulando ou sentado no adro da matriz, posando para pintores ou assustando crianças. 

 A figura inesquecível de nossos tempos de criança deixou o mundo no dia cinco de agosto de 1968, de “moléstia do coração”, solteiro, na residência de sua família à Rua Frei Velloso, 186, hoje Rua Santíssima Trindade. Olinto Rodrigues dos Santos Filho, sócio do IHGT.


Cartão de visita, 1928, com bilhete ao maestro Joaquim Ramalho



Um ilustre Tiradentino esquecido



Fotografia da déc. de 20, acervo de Joaquim Ramalho Filho.



Nem sempre as pessoas que tiveram real importância na vida e por isso merecem ser lembradas, o são. É o caso de um tiradentino que nem sequer tem uma rua com seu nome ou uma mísera lápide para que sua memória seja perpetuada. Falo de POLICARPO ROCHA, nome que não é conhecido das novas gerações. Policarpo Rocha nasceu nesta cidade de Tiradentes em 1860, de uma família oriunda do Bichinho. Era filho de outro Policarpo Rocha. Parece que, ainda jovem, mudou-se para Carandaí, naquele tempo, ainda distrito de Tiradentes, e lá se estabeleceu com negócio de cal. A cal, naquela época, era um grande negócio, pois a ainda não se usava o cimento nas construções e a cal era fundamental.

Policarpo não se esqueceu de sua terra natal. Contribuiu para a obra de acabamento da Igreja da Santíssima trindade, nos fins do séc. XIX e início do XX, para a reforma feita da Igreja Matriz, em 1893, e, nos anos 20, para a reforma do telhado da Igreja do Rosário e da Igreja de São João Evangelista.

Mas o que hoje nos espanta é o fato de ele ter comprado, em 1907, a casa que pertenceu ao inconfidente Pe. Carlos Correa de Toledo e Melo, que se acreditava ser a Casa do “Tiradentes” e que se encontrava abandonada após ter servido de moradia do Juiz da Comarca, Dr. Edmundo Lins.

Seguramente, a casa do Pe. Toledo era a melhor construção da cidade e uma das mais importantes construções civis do período colonial com cerca de quatorze cômodos e onze forros decorados com pinturas. Custou o imóvel 1.200$000 (um conto e duzentos mil réis). Dez anos depois, em 1917, o capitão Policarpo Rocha faz doação do referido imóvel à Câmara Municipal através de escritura pública passada no cartório do 1º ofício, avaliado, naquele momento, em um conto e oitocentos mil réis, para que a Câmara fizesse dele “o uso que lhe convier”.

É um fato notório alguém doar ao poder público um imóvel de tamanha importância. Normalmente, o que se vê atualmente é o contrário, os particulares espoliando os bens públicos como, alias, aconteceu em Tiradentes, onde o Estado doou a Cadeia Pública e a antiga Casa da Câmara e Fórum para a uma Fundação privada. Após a doação de Policarpo, a Casa do Pe. Toledo foi Reformada e para lá se transferiu a Câmara. Ainda na década de 1920, as salas frontais foram transformadas em auditório para teatro e cinema. Em 1930, lá passou a funcionar, além da câmara, a sede da recém criada Prefeitura até que foi cedida para a instalação do seminário Diocesano São Tiago, aberto em 1962.

Havia antigamente, na sala de sessão da Câmara, um grande retrato de Policarpo Rocha, como, também, na Matriz e na Igreja do Rosário. Ainda existe um na Igreja de São João Evangelista e outro no Santuário da Santíssima Trindade, que hoje foi retirado da Sacristia, onde sempre esteve, e colocado junto aos ex-votos. 

O capitão Policarpo Rocha faleceu na década de 40 e ninguém de sua família reside na cidade. Fica aqui uma sugestão para que a Câmara lhe preste uma homenagem recolocando seu retrato na sala de sessões e, talvez, denominando uma rua com seu nome, para que sua memória seja perpetuada como grande benfeitor da nossa querida Tiradentes.

Texto de Olinto Rodrigues dos Santos Filho, sócio do IHGT, publicado originalmente no jornal “Inconfidências”, 
da Sociedade Amigos de Tiradentes, ano 4 – 1999, nº 26.




Luto pelo falecimento de Eros Miguel Conceição


19 de janeiro de 1979


A cidade de Tiradentes e o Instituto Histórico e Geográfico de Tiradentes  estão de luto pelo falecimento, no dia 16 de agosto de 2012, do nosso querido sócio fundador Eros Miguel Conceição.

Eros nasceu em 1939, era filho de Vicente Conceição e Dagmar Moura e, desde cedo, aprendeu com o pai e os irmãos (Juca e Mitula) o ofício de ourives, que exerceu durante muitos anos com grande maestria. Na vida, Eros foi o “homem dos sete ofícios”, pois tudo o que se arvorava em fazer, fazia-o bem. Foi secretário do Ginásio São João Evangelista, depois D. Delfim Ribeiro Guedes e, hoje, Escola Estadual Basílio da Gama; presidente e tesoureiro do IHGT; tesoureiro da Sociedade de Amigos de Tiradentes (SAT); da Sociedade Corpo de Bombeiros Voluntários (SCBU) da qual também foi um dos fundadores. Eletricista, trabalhou com segurança para particulares e especialmente nas igrejas como S. João Evangelista, Bom Jesus e Bichinho.

Dedicou grande parte de seu tempo às igrejas e ao patrimônio de Tiradentes. Era ele quem montava a capela do Santíssimo Sacramento, na Quarta-feira Santa, com inventividade e esmero; foi ele quem primeiro iluminou os andores para as procissões com bateria de caminhão, uma grande novidade; foi ele quem consertou, juntamente com a equipe do IPHAN, o bicentenário relógio da torre da Matriz, fazendo-o de novo reviver as horas; era ele quem ajudava a vestir o Senhor dos Passos e ornamentá-lo, era ele e eu que montávamos o Calvário para o Descendimento, na Sexta-feira da Paixão; e muitas outras coisas mais.

Com sua paciência e cuidado, fez a primeira miniatura do Relógio do Sol e, depois, chegou a fazer um com números de ouro. Brigou muito contra o desmatamento e a favor da preservação da Serra de São José, tendo assinado, em 1979, o seu pedido de tombamento em nível Federal. Entre tantas coisas, achava tempo para fotografar eventos e pessoas da cidade desde os anos 1960, possuindo um histórico acervo que vai desde a inauguração do seminário diocesano e da estrada asfaltada até as enchentes e chuvas de granizo.


Eros, ao centro e de terno branco, em 1949.


Dedicou-se de corpo e alma ao teatro, com a criação do Grupo Entre & Vista, até sua morte, tendo, inclusive, o transformado em Ponto de Cultura do MINC. Foi músico da Banda Ramalho, tocando saxofone e promovendo serenatas. Ultimamente, criou um coral no Teatro Entre & Vista, com belas apresentações, e gravou um cd com hinos e músicas sobre a cidade, de especial interesse para Tiradentes.

Durante muitos anos, cuidou das torres de transmissão de sinal de televisão, mesmo quando as antenas eram no alto da Serra das Águas Santas, as vezes indo a pé e a noite até a torre para consertar a transmissão. E não sei quantas coisas fazia em prol da cidade e do nosso patrimônio...

No Instituto Histórico manteve acesa a chama de amor a cidade, sua história, seu patrimônio, desde 1977. Era uma dessas pessoas raras, íntegra e honesta, com seu jeito simples, de pouca conversa, ranzinza, bravo quando necessário, avesso a ser fotografado, embora fosse fotógrafo.

Eros nos deixa um exemplo de trabalho, persistência e dedicação à comunidade, sem esquecer que além de católico fervoroso, era Vicentino da Conferência de Nossa Senhora do Rosário. Nas vigílias de Quinta para Sexta-feira Santa, além de ornamentar a capela, ele passava a noite inteira em adoração ao Santíssimo Sacramento.

Mais não poderei dizer, porquê as palavras são poucas para tantas ações, ficando aqui uma palavra de agradecimento por tudo que fez e pela sua convivência conosco e de saudade, pois muita falta fará. Adeus Eros, com o nosso carinho.

Olinto Rodrigues dos Santos, pelo IHGT.

Eros, na reunião solene do IHGT, em 19 de janeiro de 2010





Breve História do Maestro Fernand Jouteux




Senhor e senhora Jouteaux e a pequena Stelle, Pernambuco, década de 30.
            Muitos foram os europeus que, durante o século XIX, deixaram sua civilização multissecular para se embrenhar pelas terras exóticas da América do Sul, principalmente do Brasil tropical. Parece que com esse espírito aventureiro, à procura dos grandes rios e das incultas florestas, povoadas ainda por culturas rudimentares, o compositor francês Fernand Jouteux aportou nas terras brasileiras, deixando a Paris da “belle époque” por uma vida de riscos e surpresas.
            Eugène-Maurice Férnand Jouteux, nascido na cidade de Chinon, Indre-et-Loire, em 11 de janeiro de 1866, filho de um advogado de Chinon, faz seus primeiros estudos no liceu local e, em 1884, ingressa no curso de composição do famoso Conservatório de Paris, onde toma aula com o consagrado Jules Massenet.
            Jouteux nasceu numa cidade privilegiada pela história. Ali Joana D’Arc, a virgem de Orleans, foi convencer o rei Carlos VII de sua missão divina na Guerra dos Cem anos.Também nasceu ali o cavaleiro Charles des Vaux, um dos fundadores da cidade de São Luís do Maranhão, em 1612.
            Após abrir mão do sucesso na velha França – Massenet havia escrito que não tinha nada mais a ensinar-lhe quando saiu do Conservatório –, Jouteux embarca para o Brasil no ano de 1894, renunciando também a um prêmio em Roma.
            No Brasil,percorre todo o Nordeste. Do sertão pernanbucano vai até o Amazonas em busca da floresta e dos índios. Fascinado pelo país, adquire em Garanhuns, Pernambuco, um sítio avarandado a que dá o nome de “Belle Alliance”,onde compõe grande parte de suas obras.Em 1899, encontramo-lo novamente na França, para o casamento com Madalena Ana.
Adolfina Maria Aubry, filha de Florentin Aubry, cavaleiro da Legião de Honra, então com 20 anos, sua ex-aluna de piano. O casamento é realizado em 10 de abril na cidade de Tours. Consta no contrato de matrimônio a propriedade “Belle Aliance”, no Brasil.
            Antes de vir para o Brasil, o maestro Jouteux fez várias apresentações de suas peças no França, principalmente na cidade de Tours. A mais importante parece ter sido a estreia do oratório de São Martinho de Tours, “Bellator Domini”, na catedral de Tours, em 1897, e em Bourdeaux, em 1902, segundo o autor, com orquestra e coro de 400 músicos. Em 27 de maio de 1924, este oratório é novamente executado em Paris, na “Salle Gaveau”, com 250 executantes, sob o patrocínio da “União das Mulheres Artistas da Música” (Union dês Femmes Artistes Musiciènnes).
            Em 1910, vamos encontrar o maestro dirigindo a escola municipal de música de Oran, na Argélia, onde parece ter ficado pouco tempo, tendo retornado ao Brasil logo a seguir. Em Oran, fez executar várias de suas obras na escola de música.
            Entre as muitas peças que compôs no Brasil, Fernand Jouteux deixou uma coleção de doze “Cantos Brasileiros”, premiada com uma medalha no salão dos Músicos de Paris, em 1922. Alguns destes cantos têm nomes curiosos como “Meu amor não sabe ler”, “Amor Sertanejo”, “Invocação a Rudá”, “A Mulata”. Outros têm letra em português, tupi-guarani e francês.
            Em 1929, Jouteux está em São Luís do Maranhão, onde a imprensa noticia concertos com música de sua autoria. Logo no ano seguinte, já vamos localizá-lo em Itabuna, na Bahia, conforme registra a imprensa local. Anteriormente, em 1927, Jouteux tinha feito parte do Júri do concurso de composição do Instituto Nacional de Música e parece que, nesta ocasião, teria angariado inimizade entre os músicos cariocas por motivos por nós não identificados. É curioso notar que, em quase todas as notas que ele plantava na imprensa, citava-se sempre um escrito de France Darget, publicado na imprensa parisiense, no começo da década de 20.

Jouteaux e Frederico Wyss, Maranhão, 192

            É ainda em 1929 que o compositor percorre um dos trechos mais curiosos de sua vida:Uma turnê Maranhão/São Paulo e que se estende até Porto alegre, em companhia do barítono suíço Rudolf Wyss. Essa viagem tem como objetivo levantar fundos para a montagem de sua ópera “O Sertão” e, para isto, ele leva um “livro de Ouro”, ou de subscrições,que apresenta a todos os prefeitos e autoridades que encontra pelo caminho. Entre as muitas cidades em que fez executar sua música citamos São Luis (MA), Garanhuns, Pesqueira, Recife, Camaru, Caruaru, Goiana (PE), João Pessoa (PB), Natal (RN), Teresina (PI), Fortaleza, Viçosa, Granja, Sobral (CE), Maceió, Penedo (AL), Salvador (BA), Cachoeiro do Itapemirim (ES), Rio de Janeiro, Niterói (RJ), Belo Horizonte, Mariana, Ponte Nova, Passagem de Mariana, Viçosa, Ouro Preto, Itabirito, Conselheiro Lafaiete, Barbacena, São João del Rei, Juiz de Fora, Tiradentes (MG).
            Em Tiradentes o concerto foi realizado no dia 7 de outubro de1934, no salão nobre do Fórum, com a concorrência de elementos da Orquestra e Banda Ramalho. Do programa consta a marcha nupcial, o “Canto da Cotia”, a Marcha Heroica, Sarabanda dos Punhais e um arranjo de “Le Soir”, de Gounod. Em 1938, vamos encontrá-lo de novo em Tiradentes,como consta de um “salvo conduto” expedido pela delegacia de polícia da cidade para o maestro viajar a Belo Horizonte.


            No ano de 1940, parece que Jouteux morou em Sabará, como informa uma reportagem da “Revista Ilustrada”, mas ele logo vai estar de volta a Tiradentes, indo viver primeiro em uma casa na Rua Direita, onde hoje foi implantado o Centro Cultural Yves Alves. Depois, transfere-se para a pequena oficina de ourives construída em 1921, por Galdino Rocha, e, àquela altura, propriedade do maestro Joaquim Ramalho, também na Rua Direita.
    
Primeira casa onde morou o maestro Jouteux, década de 40.

Casa em que morou o maestro Jouteux e onde faleceu sua esposa, década de 50.

            De sua família poucas notícias temos. Por uma carta France Darget, datada de 1945, sabe-se que o casal Jouteux havia adotado uma menina. Deve ser a criança que aparece na foto junto com Madeleine.Temos vagas notícias de que esta criança morreu prematuramente. Em carta de Pierre Aubry, irmão de Madeleine, também do ano de 45, ele comunica a morte da mãe, ocorrida dois anos antes, e diz que ela havia deixado uma mobília de quarto com roupas de cama, uma pêndua e broche de ouro e apólices no valor de 21.186 francos, em poder do tabelião de Alençon. Comenta ainda a morte de outros parentes e amigos. Possivelmente, a sra. Jouteux nunca recebeu essa herança, pois veio a morrer em 1952, na mais profunda miséria, sendo enterrada no cemitério da matriz de Tiradentes. Quando de sua morte é que se soube que eles não tinham sequer cama, dormiam sobre papelões forrados com jornais.
            Parece que a ópera de Jouteux foi composta entre 1912 e 1925, ainda na fazenda “Belle Alliance”, em Garanhuns (PE), e teve o título inicial de “Antônio, o filho do homem”, depois mudado para “Canudos” e, finamente, para “O Sertão”, bem próximo do nome do livro de Euclides da Cunha, “Os Sertões”. Trata-se de uma peça em quatro atos, com libreto escrito pelo próprio compositor, em francês e, posteriormente, traduzido para português por Celso Brant, que veio a ser o presidente da comissão de montagem da ópera, em 1954. A história de Antônio Conselheiro é transformada em um drama amoroso e romântico. Incluem-se na peça danças de cunho folclórico, como a “Dança dos Cairus”, o “Cateretê” e “Baiano”.

          
Original do libreto da Ópera e versão em português editada em 1955.

Depois de anos de tentativas infrutíferas no Rio e em Minas, foi formada uma comissão para a montagem em Belo Horizonte, contando como apoio do governador Juscelino Kubitschek. A estreia deu-se no dia 29 de novembro de 1954, no teatro Francisco Nunes, sendo regida pelo maestro Hostílio Soares, executado pela orquestra da Polícia Militar de Minas Gerais. A pianista Corina Tompa atuou como maestrina auxiliar. Nos papéis principais estavam a soprano Lia Salgado, que se tornou, então, primeira dama do Estado,com a ascensão do vice, Clóvis Salgado, seu marido, e o barítono Edson Macedo. O coro era composto por 50 vozes preparadas por Walter Ribeiro Cardoso. À época da estreia, o autor contava com quase 89 anos. Mais duas récitas foram feitas, sendo a de 22 de março de 1955, no Cine Teatro Brasil, em homenagem a Juscelino Kubitschek. É curioso notar que a atriz Lady Francisco fez parte do corpo de baile.
Após a montagem ópera, Fernand Jouteux permaneceu em Belo Horizonte, vivendo em casa de Corina Tompa. Vindo a falecer em 1956, foi enterrado no cemitério do Bonfim,em túmulo adquirido por Edson Macedo,segundo informações que me prestou Corina Tompa. Seus poucos pertences foram colocados em uma mala e dois caixotes e guardados pelo maestro Joaquim Ramalho, proprietário da casa em que vivia em Tiradentes,ficando à espera de quem os reclamasse. Não apareceu nenhum herdeiro, permanecendo o material depositado no porão do sobrado,sob enorme monte de madeira.

partitura de fragmento da Ópera O Sertão, década de 1930.
   Quando, em 1986, retiramos a madeira para restaurar o porão e lá instalar atividades culturais, encontramos a mala pregada e dois caixotes contendo partituras, documentos pessoais, cartas, objetos diversos, recortes de jornais e o original do libreto da ópera. Não estavam no acervo as partituras da ópera que, ao que consta,teriam ficado com Edson Macedo, em Belo Horizonte, segundo esclarecimento da pianista Corina Tompa.
Olinto Rodrigues dos Santos Filho.
Texto Publicado originalmente no caderno “Pensar” do Jornal O Estado de Minas, em 7 de  fevereiro de 1998.


   



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